ONU quer acabar com mortalidade materna e violência contra mulheres até 2030

Participantes de conferência no Quênia se comprometem a investir US$ 8 bilhões para atacar problemas de igualdade de gênero e de direitos sexuais em 10 anos

Por Roberta Salomone, do O Globo

A presidente da Fiocruz, Nisia Trindade Lima, durante apresentação na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), da ONU, em Nairóbi, no Quênia (Foto: ALBERT GONZALEZ FARRAN / UNFPA/ALBERT GONZÁLEZ FARRAN)

Vinte e cinco anos atrás, representantes de 179 países se reuniram no Cairo num evento que foi considerado um divisor de águas nos debates de direitos sexuais e igualdade de gênero.

O resultado da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) foi um audacioso plano de ação, que incluía, por exemplo, uma redução considerável da mortalidade materna no mundo.

Mas o tempo passou, e muitos dos compromissos estipulados ali para acontecer até 2015 continuam ainda distantes de acontecer. Para reafirmar as metas de 1994 e elaborar outras (de um total de 1.200) que têm agora até 2030 para serem alcançadas, um novo encontro foi sediado em Nairóbi, em novembro.

Conta de US$ 264 bilhões

E, apesar de muitas delas também serem um tanto quanto ambiciosas para um prazo tão curto — como o fim da violência sexual e de gênero no mundo —, os governos de países como Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Itália e Reino Unido anunciaram que mobilizarão US$ 1 bilhão para que elas sejam atingidas. Grandes empresas privadas também prometeram apoio: cerca de US$ 8 bilhões.

— Eu diria que foi surpreendente a mobilização do setor privado, que se comprometeu a fazer ações internas e externas para garantir a saúde das mulheres. Outro tipo de compromisso é que algumas multinacionais vão doar dinheiro para agências da ONU ou outros tipos de organizações — conta Astrid Bant, representante do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil. — Aqui temos um grupo de empresas e organizações filantrópicas que se comprometem dentro e fora de suas instituições a promover os direitos sexuais e reprodutivos, por meio de doações, ações, aprendizagem, benefícios para seus trabalhadores.

O esforço, no entanto, ainda não é suficiente para que as metas sejam atingidas. Uma pesquisa do Fundo de População das Nações Unidas e da Universidade Johns Hopkins mostrou que o preço para alcançar os “três resultados transformadores” propostos em Nairóbi é altíssimo.

Acabar com a falta de acesso ao planejamento familiar em uma década, erradicar as mortes maternas e também a violência sexual, de gênero e as práticas prejudiciais contra meninas e mulheres custaria US$ 264 bilhões.

— A parte que vejo como a mais complicada no Brasil é a violência contra a mulher, que é alta e se manifesta de forma cada vez mais letal — afirma Astrid Bant. — É necessária uma resposta integrada que inclua todos os atores, o governo federal, governos locais, a imprensa e a sociedade civil.

A presença de representantes do Brasil no evento, no meio de mais de 8 mil participantes, foi discreta.

Realidade ‘lastimável’

A ativista da juventude indígena Rayanne França participou da mesa “Mudança climática, adaptação e justiça”, e a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, opinaram no debate sobre as parcerias para acelerar as promessas do plano de 1994.

A demógrafa Jackeline Romio, que também foi convidada pelo Nairobi Summit, se disse impressionada com o esforço de alguns países para mudar o cenário de violência contra as mulheres e discordou da postura do governo brasileiro.

— Foram apresentadas várias campanhas de informação e de denúncia da violência doméstica e do avanço da lei de feminicídio em diversos países. Há muito o que fazer ainda nesse campo para barrar o avanço da morte violenta de mulheres no mundo e os efeitos que a violência tem no desenvolvimento delas — alerta Romio, que desenvolveu importantes pesquisas sobre o tema. — Frente aos outros países latino-americanos, nossa realidade é lastimável.

Leia também:

‘Perdemos cada vez mais meninas e jovens’, diz pesquisadora

+ sobre o tema

Marcelle Soares, brasileira lidera pesquisa que vai “dar luz” à expansão do universo

Marcelle Soares Santos tinha quatro anos de idade quando...

Dilma promete construir seis mil creches no país

“É na infância que está a raiz maior da...

4 iniciativas feitas e comandadas por mulheres que estão mudando o mundo

No fim de abril participei como jurado do prêmio...

para lembrar

Senado aprova plano para combate integrado à violência contra a mulher

O Senado Federal aprovou, nesta terça-feira (9), o Projeto...

Legado vivo: trançar o cabelo é mais do que um código estético

Para a população negra, trançar o cabelo é mais...

Minha transição capilar – Por Mari e Lu Araujo

Hoje eu vim compartilhar a história de transição capilar...

Jovem gay manda recado para agressor e vira símbolo de luta contra homofobia

Na noite da última sexta-feira, o estudante da Universidade...
spot_imgspot_img

‘A gente pode vencer e acender os olhos de esperança para pessoas negras’, diz primeira quilombola promotora de Justiça do Brasil

"A gente pode vencer, a gente pode conseguir. É movimentar toda a estrutura da sociedade, acender os olhos de esperança, principalmente para nós, pessoas...

Ana Maria Gonçalves anuncia novos livros 18 anos após lançar ‘Um Defeito de Cor’

Dois novos livros de Ana Maria Gonçalves devem chegar ao público até o fim de 2024. As novas produções literárias tratam da temática racial...

Mulheres recebem 19,4% a menos que os homens, diz relatório do MTE

Dados do 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios mostram que as trabalhadoras mulheres ganham 19,4% a menos que os trabalhadores homens no...
-+=