Depois das alvíssaras da Maria Clara, que venha 2010!

É difícil não se contagiar com a iminência de um “ano que entra”. Quem vivenciou um ano ruim, espera um melhor; e quem navegou em alegrias, agradece as graças recebidas. Se para alguns celebrar o Ano Novo é uma chatura, para a maioria não é. Em algumas regiões do Brasil, alvíssaras são mimos recebidos no “Dia de Ano”, que é um costume lindo!

Por Fátima Oliveira

 

Alvíssaras “é prêmio que se dá a quem traz boas novidades ou entrega coisa perdida ao dono e pode ser também uma interjeição que anuncia boas novas”. Recebi minhas alvíssaras antecipadamente. Em 30 de dezembro passado nasceu a minha neta Maria Clara, que reverberou em mim como um sentimento de eternidade. Ouvir o seu choro ao nascer foi mágico.

Nem cortar o cordão umbilical eu queria, de tão emocionada, mas a dra. Myrian Celani, que tem o dom de obstetra, nem quis saber e colocou a tesoura em minha mão e… clic, nem vi direito, cortei! Estava embevecida olhando-a e constatando que era a cara da mãe, da tia e do tio quando bebês – o milagre genético da natureza em toda a sua exuberância, parido do meu ventre!

Foi ver a Maria Clara sobre a sua mãe, Lívia Cristina, pra não perder o costume de filosofar e arengar. Indaguei em que mundo gostaria que ela vivesse. Ela recebia os primeiros cuidados e a vi zanzando pelo nosso apartamento em Beagá; em nossa casa em Imperatriz (MA), na alameda Quinta de Ouro – onde a mãe dela viveu parte da infância e, depois que virou nutricionista, voltou a morar lá – arrumando encrencas, tão ao jeito da mãe, que, quando contrariada por outras crianças, sempre revidava com beliscões e era o terror da vizinhança; tomando uma fresca da brisa da chapada, numa rede armada no tamarindeiro que enfeita o terreiro da nossa casa no topo da serra do Arapari, um cantinho que sei que ela vai amar! A chegada dela reforça nossas raízes à terra que amamos, que nas palavras do avô é nosso porto seguro.

Era uma propriedade chamada Barro Azul. Quando fui lá pela primeira vez, há quase três décadas, para ver aquele mato bruto onde enterramos nosso suor, não entendia como alguém era maluco o suficiente para comprar terras no fim da picada, onde Judas perdeu as botas, num lugar ermo que num raio de três quilômetros não se via uma casa sequer! Ele, um roceiro de quatro costados, sob o peso da ancestralidade de roceiros goianos e mineiros, falou mais ou menos assim: “Eis a terra que nos proverá para sempre! Dela tiraremos nosso sustento por gerações. É nosso porto seguro, pois não há mais terra a descobrir. A humanidade pode inventar tudo, mas terra não! É um bem que nunca acabará e valerá ouro”.

Estava absolutamente certo. Lá, a mineiríssima Maria Clara adormecerá na lua da sela do cavalo sertanejo do tio Luís, o vaqueiro, e cavalgará um piquira chamado Brinquedo. E como a mãe, que ama cheiro de bosta de boi, pulará nos cochos de dar água ao gado, dizendo que são piscinas! Eis nosso legado para Maria Clara: a sina de roceira com um verniz cosmopolita e a saga de sertanejas guerreiras e donas de si; e que ela possa vivenciar suas identidades num mundo sonhado, pelo qual sempre lutei: de cidadania e bonança, com todas as crianças em boas escolas que as prepare para a vida social e laboral e, sobretudo, que concretize a vocação de todo ser humano: o encontro da felicidade, palavra gasta e fora de moda, mas que contém o sentido de nossa existência, corroborando Fernando Pessoa: “Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é”.

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