Racismo social ganha ao racismo de cor

A França atravessa um clima de crispação “sem precedentes” em que “o racismo social ganha força sobre o racismo de cor”, alerta o Mediador da República, Jean-Paul Delevoye, entrevistado pela Agência Lusa em Paris.

 

 

“Antes, as clivagens eram relativamente claras, ou se era de esquerda ou direita, rico ou pobre. Hoje, há muitas fragmentações que criam novas fronteiras”, constata o Mediador da República, que entregou há poucos dias o seu relatório anual à Assembleia Nacional.

Jean-Paul Delevoye constata o risco de “um racismo social que ganha mais força sobre o racismo de cor”.

“Isto é, eu combato pelo conforto pessoal sem me preocupar com o conforto do outro”, descreve.

“O combate do cada-um-por-si substituiu o prazer de viver em comum”, alerta também Jean-Paul Delevoye, cuja função principal é servir de interlocutor das queixas dos cidadãos em relação à administração pública.

Jean-Paul Delevoye, que recebeu em 2009 mais de 70 mil queixas no gabinete do Mediador da República, alerta para o que designa como “a Frana dos invisíveis”.

“É gente de que não falamos, que não vemos, que não ouvimos, porque são os pequenos reformados a viver com 500 euros por mês e todas as pessoas que entraram numa espiral de dessocialização”, explica.

O Mediador calcula em cerca de quinze milhões o número de pessoas em França “cujo fim do mês se joga com 50 ou 100 euros”.

“Todas as nossas estatísticas são baseadas no sistema mercantil e esta divisão já não tem atualidade. Tudo tem que ser produtivo e tudo tem que ser consumível, incluindo o tempo. O sentido que demos ao tempo é uma das riquezas que perdemos”, diz também Jean-Paul Delevoye.

“Não acredito na revolução, e digo quase infelizmente. Não pela revolução, mas a revolução é uma forma de explosão de energia. Eu receio mais a possibilidade de um desabamento, pela lassidão, pelo desalento, com uma possibilidade de evasão do sucesso e da localização do fracasso”, resumiu o Mediador da República à Lusa.

“Tivemos a revolução de (maio de) 1968 mas que era uma contestação de época de uma sociedade que ia bem. Hoje, há um fenómeno novo que é o fim das esperanças coletivas e, quando isso acontece, abre-se as portas a todos os extremismos”, avisa.

Segundo o Mediador da República, “as sociedades geram três sentimentos: as esperanças, a que aderimos com entusiasmo de construir algo em conjunto; o medo; e as humilhações. Vemos bem que, quando o político já não sabe ir ao campo das esperanças, vai ao campo do medo e das humilhações”.

A França atualmente está “um pouco nos três sentimentos. Temos alguns políticos que procuram a renovação e construir esperanças mas são poucos. Temos os que procuram o medo: o medo do estrangeiro, o medo do desemprego, o medo do dinheiro; e os que geram as humilhações, com a frustração de quem já não tem trabalho, ou de alguém que é desprezado pelo seu patrão porque é despedido sem qualquer consideração, ou a humilhação do reformado que já não tem dinheiro e cuja dignidade é posta em causa”.

Jean-Paul Delevoye conclui que “há talvez também uma humilhação coletiva europeia de estar num grande continente com uma situação que é talvez bastante inferior à imagem que ele dá”.

Fonte: DN Globo

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