Raquel Trindade fala sobre as mulheres do seu tempo e as de agora

Pesquisadora, artista plástica, folclorista, dançarina, avó, mãe, mulher. Essa é Raquel Trindade, filha mais velha do poeta negro comunista Solano Trindade, e que aos seus 77 anos, muito bem vividos, cuida dos filhos, dos netos e tem muita disposição para organizar eventos no Teatro que leva o nome de seu pai. Hoje estreia a 1ª Exposição Arte Mulher, onde Raquel é a curadora e que mostra obras de mulheres artistas da cidade. A Gazeta SP homenageia todas as mulheres através da entrevista a seguir com esta grande mulher.

Por Nely Rossany

Gazeta SP – A senhora viveu e viu tanta coisa, como vê o papel da mulher hoje na sociedade?
Raquel Trindade – È muito importante o papel da mulher ao lado do homem, não rivalizando com ele. Por exemplo, no meu caso: eu sou mãe, sou avó, eu pinto, eu faço xilogravura, eu escrevo, eu dou aula, danço, sou Yalorixá de Candomblé, jogo Búzios , quer dizer oriento as pessoas, mas é um trabalho de muitos anos. E eu lembro de minha mãe, que saiu da Paraíba, estudou bastante e trabalhou, era dona de casa e orientava os filhos e isso foi passando para mim.

 

GSP – Com quantos anos saiu da cidade onde nasceu?
RT – Sai de Pernambuco com 8 anos, fui para o Rio de Janeiro, e na época, a arte negra estava efervescente e meu pai e minha mãe junto com o sociólogo Edson Carneiro, criaram o Teatro Popular Brasileiro. Aí eu fui para a Europa com ele, toda a Polônia e antiga Tchecoslováquia, agora República Tcheca dançando e eu volto [para o Brasil] e aí vem os casamentos, casei oito vezes e aí quando o casamento não dá certo eu pego os filhos e vou embora e recomeço a vida… Em 1977 fui convidada para dar aula na Unicamp sem ter nível universitário de Folclore e teatro negro no Brasil. Aqui em Embu, meu  pai faleceu em 1974 e em 1975 eu criei o Teatro Popular Solano Trindade (TPST) que já tem 37 anos.

GSP – A senhora já recebeu muitas homenagens, pode falar sobre algumas… 
RT -Ano passado eu fui homenageada pela Marta Suplicy no Palácio do Planalto, junto com a [presidente] Dilma e também na Câmara de São Paulo pelo Movimento Negro de São Paulo, eu recebi troféu. Meu pai foi condecorado pelo Lula e agora eu pela Dilma.

GSP – Qual sua maior preocupação em relação às mulheres?
RT – Minha preocupação é que hoje muitas mulheres estão sendo assassinadas, está difícil entender isso. As mulheres que ainda sofrem maus tratos, né?! Porque felizmente eu nunca passei por isso, porque quando começa a falar mais alto eu já via que não estava dando mais.

GSP – A senhora viajando tanto, você sentiu preconceito por ser mulher, por ser negra?

RT- Olha eu tenho vários preconceitos: por ser mulher, por ser negra, por ser artista popular, por ser pobre, por ser nordestina e por ser de religião de matriz africana. Mas eu aprendi com os meus pais que a gente tem que ter orgulho de tudo isso, orgulho de ser negra – de ser pobre a gente luta para sair um pouquinho (risos) – mas orgulho de ser negra, de ser nordestina e ter orgulho da minha religião porque sabemos a nossa história…Essa preocupação que eu, meus filhos e meus netos estamos tendo de passar para os professores: a nossa história, para que os alunos negros tenha uma auto estima e os brancos não discriminem. E não generalizar achar que todo o branco é racista porque aqui no nosso grupo tem branco, tem japonês, e eu tenho um neto japonegro, uma neta afro germânica que mora em Berlim e tem outros netos que eu chamo de afro bege, porque mulato é pejorativo, é cor de mula.São três filhos e nove netos.

GSP – E quantos livros a senhora já publicou?
RT – Tenho três livros editados, a primeira edição com a história de Embu, a segunda edição ampliada e escrevi também pela editora Nova América junto com a Sandra (dona da editora) uma trilogia sobre os orixás. Agora estou preparando outro livro, com o mesmo nome do grupo de Campinas, que é Urucungos Puitas e Quinjengues, que são três instrumentos que vieram da África.

GSP – Quando a senhora chegou em Embu?
RT – Em 1955, viemos para São Paulo no grupo do meu pai aí aqui [Embu] já tinha o Sakai, o Cássio M’Boy, Asteca, Assis e a Nazaré, todos artistas. Aí o Sakai disse para o Assis “Assis você é negro e faz escultura, vai lá em São Paulo assistir o espetáculo do Solano Trindade e procura aprender sobre cultura negra para que sua temática seja negra”. Aí o Assis foi assistir ao nosso espetáculo e nos convidou para o Embu e aí veio papai com trinta artistas.Chegamos no Embu em 1961, ficamos loucos porque era muito bonito, os rios eram limpos,tinham muitos peixes, árvores…o Pirajussara quase não tinha casas, aí papai falou: “Isso é um Oásis, eu não vou voltar para lugar nenhum” e ficamos. Aí ficamos no barraco do Assis na Siqueira Campos, trinta pessoas dormindo no chão, parecia uma senzala e ali fazíamos festas que duravam três dias, dançávamos para a Iemanjá em volta da Lagoa, dançávamos maracatu e as pessoas iam acompanhando a gente…e durante a semana em São Paulo, íamos levar convites aos grande hotéis e consulados, e começou a vir gente do mundo inteiro, vir outros artistas também, e aí começou tudo.

GSP – As mulheres sempre tiveram participação política e artística na cidade?

RT – Muita, inclusive tem mulheres que lutam há muito tempo e tem as líderes comunitárias que são muito fortes e eu fico muito entusiasmada. E mesmo a mulher que não é conhecida e que sozinha cria um monte de filhos e consegue sobreviver, que para mim elas são heroínas. E tem mulheres em todos os setores, líderes na Igreja Catótlica, na Igreja Evangélica, no Candomblé, a participação da mulher está muito grande. Então eu não sei se talvez seja isso que incomode alguns homens, não todos – tem o homem jovem que ajuda a mulher com o serviço de casa, que também tem duas lutas, o trabalho e em casa junto com a mulher- e tem o homem que tinha aquele sentimento de posse e está vendo que não pode ser mais assim e fica desesperado e apela para o crime, para matar, para bater , para xingar, porque eles não estão acompanhando toda essa evolução da mulher.

GSP – O que falta ainda para a mulher nos dias de hoje?
RT – Acho que está faltando é segurança, até mesmo dentro de casa. De a mulher saber que se um homem atacar ela, ela tem onde correr e como se defender. E os homens que tem uma consciência maior, que já evoluíram bastante, começarem a dizer para o outro que não é bem assim a história, que as coisas mudaram. O problema no Brasil em todos os sentidos é a impunidade, a pessoa faz o que quer, mas não vai preso.

GSP – Qual a mensagem que você deixaria para todas as mulheres?

RT – As mulheres tem que ser fortes, fortes no sentido de saber o que quer e, companheira do homem, mas não submissa.

 

 

Fonte: O Taboanense 

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