Lucas Lima: “A polícia me enquadra desde os 11 anos, quando comecei a ter cara de marginal”

Morador da periferia de Guarulhos (SP) é um dos estudantes que podem se beneficiar das cotas raciais. Movimentos iniciam coleta de 200 mil assinaturas para PL de Iniciativa Popular que abrange USP, UNESP, Unicamp e FATEC

Começou a circular o Projeto de Lei de Iniciativa Popular de Cotas Raciais e Sociais para as Universidades Públicas de São Paulo. A proposta prevê que as instituições de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo (USP, Unesp , Unicamp e Fatec) destinem 55% das vagas para negros, indígenas e alunos de escolas públicas.

A campanha, lançada neste dia 17 pela Frente Pró-Cotas Raciais de São Paulo, pretende colher 200 mil assinaturas até o mês de novembro.

Lucas Lima de Assis, 18 anos, é um dos estudantes que podem se beneficiar das cotas raciais. Morador de Guarulhos, na Grande São Paulo, ele frequenta um cursinho pré-vestibular da UNEafro Brasil, voltado para jovens negros e de baixa renda.

Em entrevista à Radioagência NP, Lucas narra o cotidiano de violência nos bairros mais pobres e fala da falta de oportunidades que empurra os jovens para a criminalidade. O garoto revela que sofre abordagens policias desde os 11 anos de idade, quando começou a “ter a cara de marginal”.

Radioagência NP: Você faz cursinho pré-vestibular, está de olho na universidade. O que você espera da universidade? O que você vai encontrar por lá?

Lucas Lima de Assis: Eu espero encontrar uma educação de qualidade, eu espero encontrar professores que são motivados a dar aula porque todo mundo costuma colocar culpa no professor, mas o professor não é motivado a dar aula. Eu espero encontrar um modelo que para mim deveria ser desde a pré-escola, um modelo de educação, não um modelo de escola. Você visita qualquer universidade tanto pública quanto particular de alto calibre, você vai ver que o número de jovens negros ou jovens que eles chamam “com cara de pobre”, você vai ter muito poucos, se tiver. Então, a proposta da UNEafro vai de encontro aí porque o que a gente quer é democratizar o acesso a universidade para o pobre, para o negro, para o marginalizado conseguir ter acesso.

Radioagência NP: Qual é a realidade hoje da escola pública e o que você enxerga como um modelo ideal de escola?

LLA: A realidade da escola pública é assim: de manhã é escola pousada e de noite e à tarde é escola restaurante. O cara que trabalha de tarde e à noite estuda de manhã, e chega na escola ele vai dormir porque se ele dormir na escola ele perde nota, se ele dormir no emprego ele perde o emprego. De tarde para a noite é escola restaurante. A mãe deixa o menino na escola ao meio dia, e ele vai para escola para comer, brincar. A escola acaba não cumprindo o seu papel na sociedade que seria educar o cidadão.

Radioagência NP: Qual é a sua reação quando se fala em redução da penalidade penal?

LLA: Indignação. É uma prova de que o sistema foi tão incompetente nos últimos 20 anos, falando assim de São Paulo, que a gente tem há mais de 20 anos um governo quase fascista. A prova que esse sistema foi tão ineficaz é que o jovem ele não conseguiu educar é o jovem que ele está querendo colocar na cadeia. Para mim é uma indignação tanto no sistema que se provou ineficaz, incompetente, quanto da reação da população que tem o filho que está suscetível a isso, está suscetível a ser um presidiário com 16 anos ser jogado em lugar que tem criminosos muito mais velhos, que vão tornar ele um ser humano bem mais propenso a criminalidade do que pensar em educar esse jovem.

Radioagência NP: Você tem amigos ou conhecidos que já foram internados na Fundação Casa?

LLA: De todos os meus amigos de infância eu fui um dos únicos que conseguiu contrariar literalmente as estatísticas como diz os Racionais.  A maioria ou está preso ou marginalizado pela droga, está no meio da criminalidade informal, ou não quer ser nada da vida. Quando você fala de universidade para esse cara ele acha que você está falando grego ou ele ri da sua cara

Radioagência NP: Nas últimas manifestações que ocorreram no Brasil teve um momento mais acirrado em que a polícia teve uma postura mais dura de repressão e aquilo causou um certo incômodo. Inclusive os próprios veículos de comunicação que antes defendiam a truculência passaram a ver a polícia com certa desconfiança. Você se surpreendeu com esta postura da polícia ou é algo comum no seu cotidiano?

LLA: Eu me surpreendi porque foi a primeira vez que eu via polícia agindo assim contra o jovem, a pessoa de classe média e classe média alta. Eu não estava surpreso com a ação da polícia, eu estava surpreso com a “vítima”. A polícia no Brasil foi criada para capturar escravo fugido, e, é isso que ela faz até hoje. O cara que volta da escola mais tarde, a policia ataca ele. Deveriam falar para esse povo de classe média, para a Rede Globo, para a grande mídia que a polícia que está batendo no jovem de classe média alta ali na hora da manifestação é a mesma polícia que me enquadra, que me oprime, desde que eu tenho pelo menos onze anos de idade, que é quando a gente começa a ter a cara de marginal, né?

 

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Fonte: Radio Agancia NP

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