O encanto das lamparinas de Nossa Senhora das Candeias – Por: Fátima Oliveira

Vovó acendia uma lamparina de lata na porta da casa todo 2 de fevereiro, Dia de Nossa Senhora das Candeias. Por volta das “seis horinhas”, começava o espetáculo: candeias acesas nas portas das casas. E, de picardia, o Lequer, o doido oficial da cidade, deixava uma na porta da Igreja Batista, naquela época o único templo evangélico da cidade, até que um “protestante” aparecia e a retirava. A cena fazia parte da data!

Por: Fátima Oliveira

As lamparinas iluminavam as ruas até o querosene acabar. Sem energia elétrica, imagine como era uma cena de rara beleza! Curiosa, eu indagava o significado das lamparinas acesas no Dia de Nossa Senhora das Candeias – a mesma Nossa Senhora da Candelária, Nossa Senhora da Luz, Nossa Senhora da Purificação, Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora da Boa Esperança e Nossa Senhora da Esperança. Só recebia como resposta que “Isso vem dos troncos velhos, menina perguntadeira! É pra iluminar os caminhos das pessoas que moram na casa”.

No capítulo II do Evangelho de Lucas há a narrativa de que, conforme a lei de Moisés, mulher parida era impura durante a quarentena e não podia frequentar o templo! Ao completar 40 dias após o parto, comparecia ao templo levando o seu sacrifício para a purificação: um cordeiro e duas pombas ou duas rolas. A data celebra a “apresentação do Menino Jesus no templo e a purificação de Nossa Senhora, 40 dias após o parto” (2 de fevereiro: 40 dias após o Natal). E as candeias acesas nas portas rememoram “o trajeto de Maria ao templo, com uma procissão, na qual acompanhantes levavam na mão velas acesas.”

Era uma noite em que quase todo mundo se sentava em cadeiras nas calçadas. Os adultos proseando e as crianças brincando de esconde-esconde ou de roda até mais tarde. A calçada de dona Maria do seu Braulino, meus avós, era um animado ponto de encontro desde o cair da tarde porque eles tinham o costume de ficar ali “pegando uma fresca.” O cafezinho após o jantar era servido na calçada. Albertina, a cozinheira, no Dia de Nossa Senhora das Candeias, além das duas habituais garrafas de café “para o povo da calçada”, fazia bolo frito (de tapioca) e orelha de macaco (de amido de arroz) para servir a quem chegasse… Era uma delícia de festa do catolicismo popular!
Quando nos mudamos para Imperatriz (MA), por volta de 1972, vovó não abriu mão de sua devoção enquanto deu conta do tempo. Acendia sempre, no 2 de fevereiro, sua lamparina na porta. Era a única, em toda a nossa rua! Apesar da luz elétrica, chamava a atenção. Meus avós não abandonaram o costume das cadeiras na calçada na “boquinha da noite”, então as pessoas paravam e indagavam o motivo da lamparina acesa. Eu e o pai velho explicávamos, porque vovó já era uma viciada nas novelas da TV e, mal acendia a candeia, entrava e ficava grudada na TV até ela dar boa-noite – sim, houve uma época no Brasil em que a TV dava o seu solene boa-noite! E ponto final.

Há uns 30 anos não vou a Graça Aranha (MA), e agora, enquanto escrevo, bate a pergunta: ainda acendem lamparinas no 2 de fevereiro ou tal celebração se perdeu no tempo? Sinto necessidade de saber… Até para fazer uma ponte com o que ocorre na data em outros lugares do Brasil que festejam no 2 de fevereiro Nossa Senhora dos Navegantes, que nas religiões de matriz africana é Iemanjá – ou Mãe D’Água, Rainha do Mar, dona Janaína – e seus rituais de água e oferendas. São exteriorizações populares de fé, de deferência ao sagrado, de beleza incomum.

Fonte: O Tempo

+ sobre o tema

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na...

para lembrar

Proposta do voto aberto acaba com esperanças de Demóstenes

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que...

“Eles chegaram lá”. Os retratos do Brasil que se ergue, por Rodrigo Vianna

Autor: Fernando Brito   É uma honra partilhar...

Marilena Chauí: o impeachment e o ódio de classe

“Tentam preparar uma gigantesca vitória do capital”, diz professora,...

Os carteiros comunitários das favelas do Rio

Muitos moradores dos becos e vielas de favelas não...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz um levantamento da cobertura vegetal na maior metrópole do Brasil e revela os contrastes entre...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a votação na Câmara dos Deputados que selou a permanência na prisão de Chiquinho Brazão por suspeita do...

MG lidera novamente a ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Minas Gerais lidera o ranking de empregadores inseridos na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A relação, atualizada na última sexta-feira...
-+=