Posicionamento político da Juventude do Coletivo de Entidades Negras (CEN) em relação ao armamento da Guarda Municipal de Salvador

 

Y.Valentim,

 As políticas de segurança pública têm priorizado os aparatos de pessoal em segurança, em detrimento dos destinatários finais deste agir do Estado: o povo. O excesso de armas, de alta ou reduzida letalidade, demonstra uma necessidade de afirmação do poder por meio da violência. Profissionais de segurança pública armados não significam outra coisa que não a utilização autorizada da violência. Ainda que estas armas nunca sejam sequer tocadas ou disparadas, já significam a violência simbólica, opressora e mantenedora da lógica dicotômica mando-subserviência.

 
Esta mesma dualidade, que remonta muito do período escravocrata e sinaliza um resquício de “Estado senhor de engenho”, não precisa ser fortalecida por uma postura armamentista desnecessária das guardas municipais. Muitas outras posturas, muito mais simples, são capazes de proporcionar segurança pública, a exemplo, de iluminação pública de qualidade, sistema de monitoramento por câmeras, dentre outras medidas que possuem eficiência comprovada. Não é de uma guarda municipal armada que nós precisamos. Não precisamos de mais elementos para a perpetuação da violência.
 
As polícias militarizadas constituem um paradigma do fracasso das políticas armamentistas, desde a sua potência simbólica até a desastrosa utilização de suas balas. Eis que se questiona: as polícias e guardas,enquanto aparatos de segurança pública, têm como objetivo primeiro a manutenção da segurança da coletividade ou a repressão desta para a manutenção de uma falsa ordem? A primeira imagem que se tem dos aparatos de segurança pública é a que se transmite através dos símbolos por meio dos quais se apresentam: medalhas, o que assume a finalidade de mostrar patentes hierárquicas, a superioridade em relação aos demais; e armas, que passam a mensagem do potencial bélico do braço armado do Estado, o detentor do poder de fogo.
 
Para além dos símbolos, a repressão entranhada nas polícias se apresenta, também, em seus contatos diretos. Abordagens truculentas e a figura do auto de resistênciasão exemplos das violações de direitos humanos praticadas por policiaise institucionalizadas em um modelo permissivo da violência monopolizada pelo Estado. Esta postura repressiva e violenta reforça a ideia da ausência de um Estado bem estruturado, o que se demonstra pela necessidade de utilizar o espaço dos direitos socialmente garantidos para ocupá-locom a violência, que,por sua vez, distancia a sociedade do Estado e inibe a consumação destes direitos. Armar as Guardas Municipais significa aproximá-las deste modelo militarista e violador de direitos humanos.
 
A tendência natural à repressãoafasta cada vez mais as guardas do objetivo de manter a segurança da coletividade. Em verdade, esta postura sinaliza para um modelo de guarda antagônico aos princípios democráticos, logo necessitado de uma mudança conceitual e orgânica. Não à toa, a desmilitarização das polícias ganha a pauta dos debates centrais em matéria de políticas de segurança pública.A desmilitarização tende à unificação das polícias (ostensivas e de investigação) e de seus procedimentos, desvinculando-os da perspectiva militarizada, mais adequada às guerras e não ao tratamento para com a sociedade.
 
Esta mudança, a princípio, ganha a adesão de grande parte dos movimentos sociais, principalmente do movimento negro, uma vez que o extermínio da juventude negra se intensifica com a figura de polícias violadoras de direitos humanos, principalmente em um país de bases racistas, em que a morte de jovens negros supera a de jovens brancos em 138% (http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/politicas_sociais/bps_20_cap08.pdf).
 
Somos um país de negros oprimidos por uma lógica racista, branqueada. País em que o negro nasce criminalizado, em que a ampla defesa e a presunção de inocência não estão ao seu serviço. A cor é o termo confessional e, na lógica da repressão, a primeira linha do atestado de óbito. O povo negro brasileiro não deseja mais esse modelo repressor, que lhe custa o que tem de mais precioso: a vida.
Na contramão da tendência desmilitarizadora e fortalecendo o aspecto repressor na sociedade, a Prefeitura de Salvador optou por armar a sua Guarda Municipal, lhe aproximando mais do conceito de polícia (o que não é função da guarda), e fortalecendo o ideário militar enraizado nos contextos policiais do nosso país. Esta política armamentista demonstra a fraqueza do poder público local em conseguir concretizar direitos já garantidos à população, o que se faz por meio da sobreposição de valores, ao se colocara política do medo e da repressão no lugar das políticas garantistas de direitos.
 
O povo negro soteropolitano teme. Não somos a favor de uma Guarda Municipal armada. Não queremos chorar as mortes dos nossos pares, considerados criminosos pelo que nos é motivo de orgulho: a nossa pele preta. Queremos, sim, um poder público mais presente, mais firme na concretização dos direitos humanos, com o olhar voltado para os vulnerabilizados, que pense a redução das desigualdades sociais, que combata as diversas formas de racismo, de discriminação e de violências, que olhe para as periferias com dignidade. Somos contrários à distribuição de armas para a Guarda Municipal de Salvador. 
Somos povo negro. Somos Coletivo de Entidades Negras.
 
 
 
Fonte: CEN

 

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