“A mãe dos senhores vai visitar os senhores lá no IML”

Por Douglas Belchior

“A frase autoexplicativa foi dita por um agente de segurança, pouco antes de uma sessão de tortura na Fundação Casa, antiga Febem. Mas é preciso imaginá-la na voz do Governador Geraldo Alckmin (PSDB), o grande responsável pela violência cotidiana imposta a grande parte das crianças e adolescentes em São Paulo.”

Repercutiu pouco a denúncia feita com “exclusividade” pelo Fantástico no domingo 18 de agosto, quando foi exibida a gravação de uma sessão de tortura a que seis menores foram submetidos em uma das unidades da Fundação Casa, na Vila Maria em São Paulo. Seria possível dizer que, assim como na morte, o espancamento e a tortura, quando dirigida a “marginais” (lê-se pretos e pobres), não nos comove?

REVOLTANTE: Assista a reportagem abaixo

Ao ver as cenas de espancamento, a presidenta da Fundação Casa (antiga Febem) Berenice Giannella, reagiu: “Isso é uma agressão gratuita, isso é um ato de tortura que é absolutamente abominável”. Como resposta, afastou o Diretor e três funcionários da unidade. Já o Ministério Público, que prometeu fazer vistoria no local, disse querer saber “como funciona a unidade”. Não sabe?

É preciso dizer que não foi um furo de reportagem ou exclusividade da Globo a denúncia de agressões e espancamentos promovidos na Fundação Casa. Movimentos de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes há anos denunciam maus tratos e torturas, procedimentos corriqueiros no interior da Fundação. A AMPARAR, associação que reúne mães de jovens internos, é uma das organizações que atua denunciando abusos e buscando apoio social e jurídico para as famílias de internos que em sua grande maioria são muito pobres.

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Sobra demagogia nas palavras da presidenta Berenice que parece aterrorizada e surpresa pela postura de seus agentes, como se não fora de seu conhecimento, ou ainda mais, com sua permissão (ou vistas grossas) o uso indiscriminado da violência no trato cotidiano a que os jovens internos são submetidos.

“A mãe dos senhores vai visitar os senhores lá no IML porque eu não vou dar boi”. A frase autoexplicativa foi dita por um agente de segurança, pouco antes de uma sessão de tortura na Fundação Casa. Mas é preciso imaginá-la na voz do Governador Geraldo Alckmin (PSDB), o grande responsável pela violência cotidiana imposta a grande parte das crianças e adolescentes em São Paulo. Foi dele as últimas provocações em relação a redução da maioridade penal no país. E é para o inferno das “Fundações Casas” ou dos presídios que pretende levar a juventude pobre e negra do país.

Façamos um exercício de imaginação: E se fosse ao contrário, cenas de menores espancando outro cidadão no cotidiano violento da metrópole, seja por qualquer motivação, uma bolsa, uma carteira ou um celular. Como seria tratado o tema? Que campanha voltaria a ocupar páginas de jornais ou serviria de conteúdo repetitivo para o gozo de “Datenas” e “Marcelos Resendes”? Teria sentido, a partir de mais esta denúncia de flagrante desrespeito aos direitos da criança e do adolescente, promovermos uma campanha nacional pelo aumento da maioridade penal?

FEBEM

Ou ainda, diante dos socos, chutes, cotoveladas, diante de unidades super lotadas; diante da permanente ameaça de mais torturas e até de morte, seria compreensível as tentativas de rebelião, fuga e até mesmo da violência contra os funcionários e contra a sociedade como um todo?

Há sim uma repulsa aos covardes agressores. Sim, devem ser afastados e punidos. Mas devemos lembrar: São trabalhadores que devem morar mal, vestir mal, comer mal. E a Direção da Fundação Casa? E os Secretários de Justiça e Segurança? E o Governador? E o Estado?

Vivemos um preocupante aumento da violação dos direitos humanos no Brasil, em especial violações praticadas por agentes do estado. Por meio da criminalização da pobreza e do racismo, assassinatos, torturas, desaparecimentos e o encarceramento em massa são a marca da política de segurança pública adotada pelo Estado brasileiro e por todos os seus governos. E disse Berenice: “Cada interno custa 7100 reais por mês e mais: assistentes sociais, psicólogas, quatro refeições diárias, escola…”. Agora, imaginem esse investimento, per capta, em creches e escolas públicas do infantil à universidade.

Por fim, relato, sugestões de ações imediatas para a defesa dos direitos da criança e do adolescente, nas palavras de Givanildo Manoel, referência na luta dos direitos humanos no Brasil:

1 – Implantação imediata do ECA;

2- Penalização por crime de responsabilidade e prevaricação aos governantes que não implantarem o ECA, com a perda de mandato;

3- Ampliação da participação popular nos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente para que sua representação seja maior que as dos governos;

4- Ampliação do número de defensores públicos na área da infância a adolescência, proporcionalmente ao número de crianças de adolescentes de cada região, de acordo com IBGE;

5- Implantar as políticas sociais previstas pelo SUAS – Sistema Único da Assistência Social;

6- Imediata aplicação dos 10% do PIB na Educação;

7- Responsabilização dos veículos de comunicação com a perda de sua concessão em caso de veiculação de qualquer programa que estimule a violação dos direitos da criança e do adolescente;

8- Cassar em definitivo a concessão de qualquer estabelecimento que venda ou promova para crianças e adolescentes, qualquer produto que cause dependência química;

9- Desencadear ampla campanha formativa nacional à cerca dos direitos da criança e do adolescente;

10- Definir o ECA como matéria obrigatória no ensino fundamental e médio, bem como matéria interdisciplinar em todos os cursos superiores;

11- Definir que os casos de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes por parte dos governantes tenha prioridade em seu julgamento para que esses não sofram o prejuízo de ter permanentemente os seus direitos violados;

12- Responsabilização de qualquer ator do sistema de Justiça, que esteja violando os direitos da criança e do adolescente em suas ações;

13- Aprovação imediata da PEC do trabalho escravo;

14- Proibição de propagandas que estimulem o consumo pelas crianças e adolescentes;

15- Cassação do mandato de qualquer parlamentar que estimule a violação dos direitos da criança e do adolescente;

16- Proibição de quais quer ações administrativas do Estado, contra qualquer grupo social, sem que todos direitos das crianças e dos adolescentes do grupo estejam garantidos (Ex: reintegração de posses, etc);

17- Ampliar os Conselhos Tutelares aonde for necessário, garantir fortalecimento, autonomia e condições para que a sua ação seja respeitada;

18- Garantir que não falte escola, moradia, saúde, política de esporte, cultura, lazer e todas as políticas sociais básicas para todas as crianças e adolescentes.

19- Aplicação da Lei 10639 em todos os estabelecimentos de ensino oficial, publico e privado e em todos os níveis;

20- Extinção da Fundação Casa, bem como de todas as Fundações similares, e debate nacional sobre um novo modelo de segurança pública para o país.

Se você ainda não viu, revolte-se!

Douglas Belchior – Professor e ativista social, militante do Movimento Negro, Movimento de Cursinhos Comunitários e membro da Uneafro-Brasil

 

 

Fonte: Negro Belchior

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