A mulher negra no mercado de trabalho

Rousseau, considerado um pensador progressista, dizia que a mulher era “dotada de características físicas e morais como a passividade e a subordinação, condizentes com as funções maternas e a vida doméstica”, e em relação aos homens que “seriam mais aptos à vida pública, ao trabalho e às atividades intelectuais”.

Por Clarice Freitas

A ironia maior era que Rousseau afirmava que, se a natureza feminina não desse conta da função para a qual estava destinada “era preciso criar o hábito da obediência, por meio da disciplina e do constrangimento constantes”, ou seja, ele era favorável à violência contra a mulher e à desigualdade entre os gêneros.

De Rousseau aos dias atuais, muitas coisas mudaram, muitas revoluções, principalmente tecnológicas contribuíram para o avanço da humanidade, entretanto, a essência do “pensamento rousseauniano” ainda está viva, latente entre nós, em pleno século XXI.

Os valores atribuídos a homens e mulheres estão expressos nas relações familiares, nos espaços privados e nos públicos. As diferenças tornam-se ainda maiores quando agregamos o recorte racial ao recorte de gênero.

Parafraseando Cora Coralina, nas duas faces da vida a mulher precisa dignificar sua condição, sendo pedra de segurança de valores que a cada dia vão se desmoronado.

Nesse processo, a mulher negra luta pela garantia de direitos no mercado de trabalho, cujos diagnósticos preparados pelo DIEESE/SEADE, IBGE e IPEA revelam que:

-o salário médio da trabalhadora negra continua sendo a metade do salário da trabalhadora branca;

-a trabalhadora negra continua sendo aquela que se insere mais cedo e é a última a sair do mercado de trabalho;

-mesmo quando sua escolaridade é similar à escolaridade da companheira branca, a diferença salarial gira em trono de 40% a mais para a branca;

-mulheres negras têm um índice maior de desemprego em qualquer lugar do país. A taxa de desemprego das jovens negras chega a 25%. Uma entre quatro jovens está desempregada;

-mulheres negras estão em maior número nos empregos mais precários. 71% das mulheres negras estão nas ocupações precárias e informais; contra 54% das mulheres brancas e 48% dos homens brancos;

-os rendimentos das mulheres negras em comparação com os homens brancos nas mesmas faixas de escolaridade não ultrapassam os 53%.

A despeito dessa situação caótica que ainda acomete as trabalhadoras negras, parece haver um acordo tácito de omissão e silêncio entre o Estado, lideranças em geral, o patronato e seus representantes. Inúmeros estudos apontam que políticas universais não diminuem os diferenciais entre negros e brancos.

Segundo o DIEESE e a Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, os perfis social, racial e de gênero das quinhentas maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas revelam que apenas 1% conta com programas de capacitação profissional de negros e negras. E mais: apenas 1,8% dos cargos de diretoria das referidas empresas são ocupados por negros e 9% por mulheres.

Para seguir vencendo e quebrando esses paradigmas é necessário intensificar a luta pela garantia dos direitos fundamentais a todos os cidadãos e cidadãs. É necessário também o reconhecimento de todos e todas de que vivemos num país marcado historicamente por desigualdades raciais, responsáveis pela existência de graves desequilíbrios no que se refere a oportunidades e tratamento da trabalhadora negra na sociedade brasileira. Enfim, é necessário que todos e todas saibam que o fator étnicorracial constitui elemento importante na distribuição de oportunidades de emprego, serviços, educação e outros benefícios que favorecerão (ou não) o pacto de igualdade entre brancos e não brancos.

*Clarice Freitas é militante do PT em Barra Mansa (RJ)

Fonte: Jornal Página13 – Edicão 106

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