A ostentação negra incomoda

ostentação

Ostentar significa “alarde, exibição vaidosa, vanglória”. Qualquer um pode ostentar. Mas o sentido da palavra ganha novas texturas quando analisamos à questão simbólica da ostentação das pessoas negras. E ela incomoda.

Por Silvia Nascimento no Mundo Negro

ostentação2

Escravidão. Palavrinha tão esquecida quando falamos de racismo, mas tão fundamental para contextualizar a “ostentação negra”. A avó da minha avó foi escrava, ou seja, ela não era livre (tem que frisar porque tem gente que romantiza escravidão). Ela comia restos, não tinha folga, rezo para que ela nunca tenha sido espancada e estuprada, mas muitas foram, e provavelmente, ela nunca comprou nada, já que não recebia salário ou qualquer tipo de benefício.

12-years-a-slave-de-steve-mcqueen
Cena do filme “12 anos de escravidão

Os anos se passaram, pessoas negras trabalham, ganhando menos, mas trabalham e o poder de compra, para nós negros, é o que nos torna visível. A publicidade não nos reconhece como povo que representa metade da população, mas qualquer ameaça a boicote à uma marca, fazem os publicitários correrem para redes sociais para esparramar o mais “sincero” senso de diversidade étnica. Somos visíveis de acordo com a conveniência (deles).

Dinheiro é poder. Se é certo ou errado não é a proposta desse texto, mas é assim desde que o mundo é mundo. Beyoncé na canção Formation profetiza “a melhor vingança é o dinheiro”, o que me retorna à memória da minha tataravó que possivelmente via suas donas todas elegantes e cheirosas e ela provavelmente nunca comprou um sabonete.

ostentação3
Taís Araújo e Lázaro Ramos. Dentro de fora das telinhas não ostentam mas não escondem que gostam das boas coisas da vida

Correntes de ouro, diamante nos dentes, Givenchy, Prada, Louis vuitton. Comprar e ostentar essas marcas para nós negros, significa que apesar da dívida história que a humanidade tem conosco, nós vencemos. Eu compro porque eu trabalho. Eu compro porque eu posso. E eu uso porque meus antepassados foram privados do consumo. Eu ostento para mostrar aos meus pares menos afortunados, de que assim como eu consegui, eles também conseguem.

 

Silvia Nascimento
Silvia Nascimento é jornalista e diretora de conteúdo do site Mundo Negro. Ela foi considerada umas das negras mais influentes da Internet em 2013 pelo coletivo Blogueiras Negras. Em 2015 ganhou o prêmio EmpregueAfro de Valorização da Diversidade Étnico-Racial. O que a move é a consciência de que ela tem o poder de fazer os que seus antepassados foram impedidos: usar a informação para combater a desigualdade racial.

+ sobre o tema

Pedagogia de afirmação indígena: percorrendo o território Mura

O território Mura que percorro com a pedagogia da...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas,...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22%...

para lembrar

Negra Soy: Conheça cinco mulheres artistas negras e latino-americanas

Black power, raízes latinas e o poder feminino são...

Minha transição capilar

Eu tenho 22 anos e lembro da primeira vez...

Ações afirmativas para mulheres negras no Brasil

Existe um processo de humanização no qual podemos definir...

Nem mulatas do Gois e nem no “interior” de Grazi Massafera

Chega a ser ridícula a mania de querer mostrar...
spot_imgspot_img

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde mundial feminino da maratona ao vencer a prova em Londres com o tempo de 2h16m16s....

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, 64 anos, é...

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...
-+=