A pequena burguesia “viajou” na onda da alta burguesia

Por: Fátima Oliveira

Adoro eleições. A aura que paira sobre elas desperta renovação de esperanças… Mas, em 3 de outubro, acordei esquisita. Adulta, era a primeira vez que não fazia boca de urna (quando criança, acompanhava mamãe). Votei cedo e fui dar plantão. Por todo o dia senti falta de zanzar pelas ruas. Amo a muvuca de dia de eleição. Minha tristeza era não estar naquilo que o sociólogo Marcos Coimbra verbalizou tão bem: “O dia da eleição é sempre diferente. Há uma mágica no ar, as pessoas se olham de uma maneira única. Talvez seja a percepção da democracia como realidade”.

Sob domínio ideológico da burguesia, a democracia como realidade não é fácil de ser fortalecida e consolidada; mesmo assim, é instigante e repleta de ensinamentos. Cada dia nos reserva novos aprendizados e de vez em quando nos deparamos com enigmas da esfinge, verdadeiros e falsos – como o encantamento da pequena burguesia urbana com o canto de sereia do PV, que não tem nada de “onda verde”, só demonstra que a luta de classes não acabou.

Na reta final da campanha, todas as frações da alta burguesia se mobilizaram coesas para incensar Marina para garantir Serra no segundo turno! E se valeram de outro regato para jogar água no moinho da luta de classes: o fervor religioso fundamentalista, que deu voto verde fundamentalista. Usemos de franqueza: a façanha de Marina é trágica. No fundo, e de cálculo pensado, serviu de escada para o conservadorismo e ainda canta vitória!

A explicação está em textos clássicos do marxismo sobre as “viagens” da pequena burguesia, uma classe em transição, vacilante e não confiável, desde sempre, que não compreendeu que, sufragando Marina, servia ao Serra, que não a encantava pela triste memória dos tempos FHC, pois sabe que viver sob o jugo tucano é prostrar-se de joelhos. Pobres e não ricos conscientes e ricos patriotas sabem de que fel se trata e o rechaçaram, elegendo Lula presidente duas vezes, bem ao estilo da frase lapidar de La Pasionaria – Isidora Dolores Ibárruri Gómez (1895-1989), personalidade comunista espanhola: “É melhor morrer em pé do que viver de joelhos”.

No dia da eleição, coordenando o plantão, monitorava quem saía para votar. Não ouvi um voto Serra, mas a quantidade de votos Marina assustava! A alegação para não votar em Dilma era equivocada e moralista: “ela já fez muita coisa ruim”. Seria o enigma da esfinge? São pessoas que conheço há muito tempo; a maioria conseguiu comprar casa própria e carro zero a primeira vez nos últimos quatro anos; e nunca foram ecologistas, ecólogas, ambientalistas nem “verdosas”!

Sem compreendermos que é da natureza da pequena burguesia ser pendular (oscila entre o capital e o trabalho) -, seus interesses são contraditórios e sua maior tendência ideológica é identificar-se com os valores da burguesia: não a convenceremos de que é um governo popular e democrático o que mais lhe convém. Eis por que Serra não se interessa pelo debate republicano, mas pelo religioso conservador.

Setores do PT de extração reformista torcerão o nariz para a presente análise, ainda preliminar. Desprezá-la não é apenas ingenuidade, é atestar que esquecem dos milhões de recém-chegados à classe média (pequena burguesia) que, nela instalados, tendem a adotar valores políticos e morais da classe a que chegaram… E, como não houve empenho para a elevação da consciência política e sua decorrência direta, o pensamento crítico, o resto fica por conta de analistas políticos com mais “sustança” do que eu.

Fonte:  Viomundo

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