A sacralização de animais para fins religiosos no Brasil e nos EUA

Embora as decisões do STF e da SCOTUS sejam semelhantes no resultado, ao admitirem a sacralização de animais, os parâmetros foram inteiramente distintos

Por Antonio Sepulveda, Gianne Lima Igor de Lazari, do  Justificando

 

Foto: jecosta/Pixabay.com

O argumento da suprema corte brasileira

Há poucos meses, o Supremo Tribunal Federal (STF), com propósito de resguardar a liberdade religiosa, decidiu que lei do Rio Grande do Sul que permite o sacrifício de animais em ritos religiosos é constitucional.

No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 494.601, o STF ratificou decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul  (TJ-RS), ajuizada pelo Ministério Público gaúcho, que arguia, inter alia, que a Lei Estadual nº 12.131, de 2004, seria anti-isonômica, isto porque permitiria apenas a religiões de matriz africana a realização da sacralização de animais em suas liturgias.

Notável como a liberdade religiosa preponderou, tanto no STF quanto no TJ-RS, sobre os argumentos referentes à proteção animal. Não haveria, segundo um dos desembargadores do Tribunal de Justiça gaúcho, como presumir que a morte de um animal, a exemplo de um galo, num culto religioso seja uma “crueldade” diferente daquela praticada (e louvada pelas autoridades econômicas com grandiosa geração de moedas fortes para o bem do Brasil) pelos matadouros de aves.

No âmbito do STF, denota-se que a proteção da liberdade religiosa possui natureza eminentemente negativa. Vale dizer: a proteção à liberdade religiosa se limita às manifestações que assegurem o núcleo básico do direito, sem interferência relevante noutros legítimos interesses. Esta é, aliás, a lógica básica da ponderação.

Em virtude disso, o STF, identicamente pautado na liberdade religiosa, assegurou o discurso público religioso proselitista (ADI nº 2566, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 23/10/2018; RHC nº  134.682, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 29/08/2017) e repreendeu manifestações religiosas discriminatórias (RHC nº 146.303, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 07/08/2018). Segundo o decano do STF, Ministro Celso de Mello, “o abuso no exercício da liberdade de expressão não pode ser tolerado”.

Portanto, o direito de liberdade religiosa se submete aos mesmos axiomas do regime atribuído a demais direitos individuais: é sujeito a limitações e à ponderação.

 

O argumento da Suprema Corte dos Estados Unidos

Em 1993, a Suprema Corte dos Estados Unidos (SCOTUS) decidiu, identicamente, no precedente Church of Lukumi Babalu Aye, Inc. v. City of Hialeah, que leis de Hialeah (cidade do Estado da Florida), que impediam a sacralização de animais em cerimônias ou rituais religiosos, seriam inconstitucionais. De acordo com a SCOTUS, por não possuírem neutralidade ou aplicabilidade ampla, tais leis afrontavam a Constituição Federal.

Nos Estados Unidos da América (EUA), a liberdade religiosa possui previsão na 1ª Emenda e só pode ser limitada no âmbito Federal se houver uma justificativa convincente do Governo e desde que a restrição seja a mínima necessária para assegurá-la.

Portanto, a ponderação não se aplica a direitos opostos de indivíduos situados no mesmo plano horizontal, mas, apenas, se opõe aos interesses do Estado. Na prática, a amplitude do direito assegura manifestações religiosas que, inclusive, discriminem, isto porque, nos EUA, a liberdade religiosa possui acepção positiva.

Em razão desse posicionamento, a SCOTUS decidiu que uma pessoa jurídica não poderia, por atentar a seus princípios religiosos, ser obrigada a subsidiar planos de saúde de seus empregados que incluíssem anticoncepcionais abortivos (Burwell v. Hobby Lobby Stores), ou, ainda, que um padeiro fosse obrigado a preparar bolos de casamento para casais gays (Masterpiece Cakeshop, Ltd. v. Colorado Civil Rights Commission).

Conclusões sobre a sacralização de animais para fins religiosos

Embora as decisões do STF e da SCOTUS hajam sido semelhantes no resultado, ao admitirem a sacralização de animais, os parâmetros subjacentes às supremas deliberações são inteiramente distintos.

 

Antonio Sepulveda é professor e doutor em Direito, e pesquisador doLetaci/PPGD/UFRJ.

Gianne Lima (graduanda em Direito) e Igor de Lazari (mestre em Direito) são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – Letaci/PPGD/UFRJ.

 

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