A SAGA DE MANOEL CONGO

Fonte: IPAHB –

Um escravo de nome Pedro, preso por um capitão-do-mato na freguesia do Pilar na Baixada fluminense, disse pertencer ao fazendeiro Manoel Vieira dos Anjos, de Paty do Alferes, que juntamente com o crioulo forro chamado Antonio, também moradores de Serra Acima denunciaram ao Juiz de Paz desta freguesia, as atrocidades que aquele fazendeiro vinha cometendo impunemente contra seus escravos.

Encaminhados ao Juiz de Paz daquela freguesia, José Pinheiro de Souza Werneck, revelaram que aquele senhor, havia matado com pancadas, vários de seus escravos, e que mais recentemente matara Antonio Congo, João Cambinda, Antonio Ângelo e Maria Congo, que depois de ter sido queimada a levou para um paiol e a enforcou. Tendo sido todos enterrados “Ao pé da bica dos marmeleiros”, em sua fazenda.

Dizendo ainda que a justiça da Vila de Vassouras sabia desse fato, inclusive o promotor público, Lucidoro Francisco Xavier.

Aberto o Processo, foi feito o corpo de delito, constando-se a existência dos corpos no local indicado, sem entretanto “provar” a responsabilidade dos crimes. O acusado se defendia dizendo que haviam morrido de “Morte Natural”, e que os tinha enterrado na própria fazenda, por que nenhum deles havia recebido “águas do batismo”, e não poderiam ser sepultados em “solo sagrado”.

“Julgado” pelo tribunal do Júri em 23 de janeiro de 1839, e sem testemunhas de acusação, temerosas com a violência do acusado “não achou o conselho de sentença, matéria para acusação contra o réu Manoel Vieira dos Anjos”, o tribunal absolve-o por maioria de vinte votos conforme consta nos autos.

Os jurados em número de 23 pertenciam à seleta classe dos fazendeiros, e não iriam condenar um confrade pelo “simples” fato de ter matado alguns escravos. Ele que ficasse com o prejuízo, o que já seria uma boa condenação.

Este era o clima existente na Baixada, Serra Acima e Vale do Paraíba durante a primeira metade do século XIX. Exaurido o ouro das gerais, seus ocupantes voltaram-se para esta região ávidos de lucro, exigindo o máximo de trabalho de sua escravaria nas lavouras de cana e café.
Enquanto esta farsa se desenrolava no tribunal do júri de Vila de Vassouras, um outro escravo era morto pelo proprietário Manoel Xavier, na fazenda Freguesia, o que insuflou a ira dos cativos da região e, liderados por um negro africano chamado Manoel Congo que, reunindo cerca de 300 escravos, partiu em direção a fazenda Maravilha, propriedade do mesmo fazendeiro, arrombando portas e depredando tudo o que havia pela frente.

Em seguida, aos gritos de euforia, refugiaram-se na floresta montanhosa chamada de Sta. Catarina, criando ali um quilombo, elegendo como seu rei, Manoel Congo e sua rainha, Maria Crioula, ficando conhecido como o quilombo de Sta. Cararina.

Após se organizarem, desceram a serra e, sem encontrar o fazendeiro, terminaram de destruir a fazenda Maravilha saqueando comida e armas, arrasando “a pau, machado e fogo” a casa grande e o engenho.

Como um grito de revolta, estavam vingando seus irmãos de raça, acorrentados, chicoteados e mortos por uma classe dominante com sua “Justiça”, “Julgando” absolvendo ou desconhecendo a prática desses crimes tenebrosos de seus membros.

Manoel Congo armava-se com o que encontrava nas fazendas, sabia que a reação não tardaria. Ocupava os pontos estratégicos da floresta, deixando em alerta, dia e noite seus comandados; o preço da liberdade seria pago com sangue.

Corria o boato nas freguesias, que um comando dos sublevados desceria o caminho do Inhomirim e atacaria a fábrica de pólvora ao pé da Serra da Estrela, na Baixada Fluminense, o que colocaria em risco a própria capital do império, a poucos quilômetros desta região.

Esta revolta teve grande repercussão, chegando até a corte, deixando indignados os fazendeiros desta província. Como poderia um bando de escravos maltrapilhos, que eram a escória da sociedade, desafiar o modelo econômico e social pré-estabelecido pelos donos do poder.

Imediatamente foi feito um comunicado ao comandante da força policial sediada em Niterói, “para que envia-se a Paty do Alferes toda a força de que pudesse dispor”.

Nesta freguesia, o coronel Francisco Peixoto de Lacerda Verneck, oficial da guarda Nacional reuniu uma força de mais de 160 homens, organizada em divisões, “tendo cada uma a seu lado um inspetor de quarteirão!”

Criada em 1831, esta organização militar estava a serviço da classe dominante, “a disposição do Juiz de Paz, Juizes Criminais, Presidentes de Província e Ministro da Justiça” cujo objetivo era dar combate a qualquer levante de escravos que se manifestasse em sua região.
Partiu a tropa para a fazenda Maravilha, “Onde pernoitou”.

No dia seguinte subiram a serra em busca do Quilombo de Manoel Congo, seguindo trilhas abertas pelos revoltosos, até encontrarem “trinta e três ranchos vazios”.

Depois de passarem por mais dois acampamentos abandonados, continuaram contornando as fraldas da serra das Araras, sem suspeitarem do alçapão que os escravos estavam armando, sempre acompanhando do alto, a longa coluna de tropa.

À tarde, já cansados, foram surpreendidos pelos negros aquilombados à beira de um córrego. Em um ofício o comandante escreveu: “os escravos quando nos sentiram postaram-se em um morro que ficava fronteiro e dali nos receberam dando uma descarga de mosquetaria”, o que foi respondido pelos militares avançando em filas alternadas. Os negros não recuaram, usando armas de fogo, facões e espadas, atracaram-se às colunas em luta corpo a corpo fazendo-as bater em retirada, deixando pelo caminho 2 soldados mortos e dezenas de feridos. “O Coronel e seus comandantes corriam de volta a Paty do Alferes em debandada”.

No outro dia uma escolta voltou ao local do combate para recolher os soldados mortos e feridos.

Dois sentimentos foram despertados, diz o historiador Eduardo Sciscínio: “o de euforia dos escravos, que numa visão errônea da vitória final, multiplicaram as incursões nas fazendas próximas, e o de vingança dos fazendeiros que aguçaram o seu ódio aos negros e passaram a pressionar o Governo Imperial”.

Comandados pelo Oficial Luiz Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, uma força da Guarda Nacional se deslocou, em 14 de novembro de 1838, subindo o caminho do Comércio, através da vila de Iguassu em direção à Vassouras, juntando-se a guarda local.

Ao chegar a região do conflito, cercaram o Quilombo com uma força numerosa, “os escravos resistiram como puderam: à unha, à faca, jogando com astúcia e com a vida”.

Os feitos heróicos de Manoel Congo, que ao lado de Maria Crioula, foram presenciados pelos seus companheiros, infelizmente não ficaram registrado para a história. Os vencidos não têm heróis.

Após os negros baterem em retirada para o interior da floresta, deixando dezenas de mortos e feridos, Manoel Congo e Maria Crioula foram levados presos junto com seus companheiros de comando para Vassouras.

“Caxias era o tipo escarrado do herói” diz Eduardo Sciscínio, “matou escravos como ele só. Voltou glorioso apanhando admiração que eram até imorais. As moças jogavam-lhe olhares, os rapazes batiam palmas, os velhos matavam leitoas em honra dele”.

No dia 6 de setembro de 1838, subia ao cadafalso na cidade de Vassouras, para ser enforcado em praça pública, aquele que deveria ser considerado um símbolo de resistência da raça negra ao cativeiro no Estado do Rio de Janeiro: Manoel Congo.

Seus companheiros, Justino Benguela, Antonio Magro, Pedro Dias, Bellarmino, Miguel Creôlo, Canuto Moçambique e Affonso Angola, como líderes da revolta, sofreram a pena de seiscentas e cinqüenta chibatadas e gargalheira pôr três anos. Maria Crioula e os demais foram “absolvidos” e entregues aos seus donos.

Liderar uma revolta com cerca de trezentos escravos numa região comandada pelos “Barões do Café”, é um feito heróico, que deveria ser ensinado nas escolas e que segundo o historiador Manoel Florentino: “É necessário que haja heróis negros, principalmente para as crianças negras terem com quem se identificar”.

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