Achados arqueológicos do Cais do Valongo estão abandonados em terreno no Porto

Considerado um dos mais ricos e completos acervos sobre negros escravos já descoberto no país, o material recolhido ano passado pela equipe de arqueólogos do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nas escavações do Cais do Valongo, na Zona Portuária, está há pelo menos três meses depositado em contêineres, sem maiores cuidados, na Rua Camerino. Como informou a coluna Gente Boa, do GLOBO, o trabalho de limpeza e catalogação das peças, que seria feito no Museu Nacional, sequer começou.

O local de campo, transferido da Rua Sacadura Cabral para a Praça dos Estivadores, na Rua Camerino, encontra-se cercado por tapumes e trancado. Na área, que não é totalmente coberta, há pelo menos quatro esteiras e sete contêineres repletos de material recolhido no subsolo da Rua Sacadura Cabral e adjacências.

Dentro desse espaço, que parece um canteiro de obras, ainda há peças guardadas em sacos, deixados no chão. Segundo integrantes da equipe que trabalhou recolhendo, limpando e catalogando tudo o que foi encontrado por lá, o grupo deixou o local no dia 15 de setembro e largou para trás pedaços de louças, conchas, ossos e restos de metal, que ficaram em cima das mesas usadas para seleção, limpeza e análise.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pela fiscalização do trabalho de arqueologia, argumenta que, em novembro, foi feita uma vistoria no canteiro e que havia arqueólogos trabalhando lá.

Em e-mail enviado ao GLOBO, a direção do Museu Nacional, órgão responsável pela pesquisa no Valongo, informou que “os trabalhos arqueológicos resultantes das escavações para as obras de modernização da região do Porto do Rio encontram-se paralisados, uma vez que a prefeitura do Rio dispensou a equipe de profissionais envolvidos com a pesquisa, tão logo encerrada a etapa de campo.”

As escavações, chefiadas pela equipe da arqueóloga Tânia Andrade Lima, foram iniciadas em janeiro de 2011 e encheram sete contêineres, com centenas de milhares de objetos como dentes de porco, colares, pedras etc. Muitas das peças eram usadas em rituais religiosos ou como amuletos pelos negros que aportaram no Cais do Valongo entre 1811 e 1843. Entre as raridades, há uma caixinha de joias, esculpida em antimônio, com desenhos de uma caravela e de figuras geométricas na tampa. Dentro da caixa, há 1.700 miçangas com cerca de 1 milímetro de diâmetro. Os pesquisadores descobriram que, na falta de material melhor, os negros utilizavam piaçava para trançar anéis e pulseiras. Dezenas desses adornos de piaçava, nas mais diferentes etapas de fabricação, foram recolhidas pelos arqueólogos na área onde, no passado, estava o Cais do Valongo. A descoberta do material, que ajuda a montar um pedaço da história da escravidão na cidade, teve grande repercussão internacional, atraindo a atenção de arqueólogos da Europa e dos Estados Unidos.

Iphan diz que já cobrou solução

Segundo o pesquisador Adler Homero, fiscal responsável do Iphan, as condições em que as peças estão armazenadas não são ideais. E o Iphan diz que já cobrou da prefeitura uma solução. De acordo com Homero, a prefeitura ainda não começou a construir um local adequado para guardar o material arqueológico, conforme havia sido combinado.

— Quando é feita uma pesquisa arqueológica, a empresa que está explorando o solo tem que contratar uma instituição de pesquisa e pagar pelo trabalho, supervisionado pelo Iphan. Durante a pesquisa, a guarda do material era da arqueóloga responsável e da instituição de pesquisa. Após o fim do trabalho, a guarda passou para a prefeitura — explicou Homero.

Procurada pelo GLOBO, a arqueóloga Tânia Andrade Lima preferiu não se pronunciar.

Para tentar resolver o problema, informa o Iphan, o órgão já realizou duas reuniões com representantes da prefeitura do Rio. De acordo com Homero, a última aconteceu anteontem e teve como objetivo cobrar do município uma solução imediata para o problema dos achados que se encontram na Praça dos Estivadores.

— Aquele não é o lugar ideal para ficar. O correto seria o local de guarda de material arqueológico que a prefeitura se comprometeu a construir. Eles prometeram acelerar isso.

Por meio de nota, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade informou “que aguarda o Iphan emitir portaria para a contratação de nova equipe de arqueologia para concluir o trabalho de catalogação e preservação dos achados arqueológicos encontrados durante a obra de recuperação da Região Portuária do Rio, já que o contrato anterior expirou. Finalizado o trabalho de catalogação, todo o material encontrado será exposto à visitação pública na área do Porto Maravilha.”

Além do acervo ligado ao passado dos negros escravos que aportaram no Cais do Valongo (centenas de cachimbos, contas coloridas, búzios, pedaços de cristal, peças em âmbar e cobre), também foram encontrados na região objetos usados pelos brancos que habitavam o Rio no século XIX. Como fragmentos de louça de chá em Black Basalt (a chamada porcelana negra), pedaços de leque e grampos.

Transformada num grande canteiro de obras, a Zona Portuária tornou-se um valioso campo de arqueologia urbana. Desde janeiro de 2011, equipes de especialistas vêm percorrendo cerca de 5 milhões de metros quadrados, num trabalho de garimpagem que precede as construções do projeto Porto Maravilha, de revitalização e remodelação. Até agora, foram recolhidos — ou apenas registrados — pedaços de cerâmica, cachimbos, ossos de animais, moedas, pulseiras, colares, resquícios de muralhas e outros vestígios que revelam um pouco da história da ocupação do Rio nos séculos XVIII e XIX. Só de canhões, foram contabilizados nove. Uma lista que, segundo levantamento de junho do ano passado, totalizava 80 mil peças, somente na área pesquisada pela equipe do consórcio Porto Novo, responsável pelas escavações na maior parte da região.

Achados arqueológicos na região estão sob a supervisão do Iphan

O trabalho de arqueologia para monitoramento do solo da Zona Portuária foi divido em duas fases, realizado por equipes diferentes. Na primeira, que integrou o pacote de obras de infraestrutura feito pela Secretaria municipal de Obras, o grupo foi chefiado por Tânia Andrade Lima, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Essa fase, iniciada em janeiro de 2011, compreendeu 27 vias, em cinco quarteirões, que incluíram a Rua Barão de Tefé, parte da Sacadura Cabral e a Avenida Venezuela, além do Morro da Conceição e a Avenida Rodrigues Alves. Na fase dois, as sondagens arqueológicas começaram em dezembro de 2011, coordenadas pela equipe contratada pelo consórcio Porto Novo, a quem caberá vasculhar, pelos próximos três anos, 57 quilômetros de vias que não foram pesquisados pelo grupo de Tânia. Todo esse trabalho está sob a supervisão do Iphan.

Fonte: Globo

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