Cem mil membros das tribos herero e nama foram mortos por colonizadores alemães entre 1904 e 1908; crânios foram usados em experimentos científicos
Do O Globo
A Alemanha entregou nesta quarta-feira à Namíbia os restos mortais de integrantes das tribos herero e nama, exterminadas durante o período colonial naquele que é considerado o primeiro genocídio do século XX. O gesto de reconciliação é considerado ainda insuficiente pelos descendentes das vítimas, que esperam um pedido oficial de desculpas do governo alemão. Há décadas os dois grupos pedem reparações pelas ações das tropas coloniais alemãs, que mataram 100 mil pessoas entre 1904 e 1908.
Numa cerimônia religiosa em Berlim, uma delegação namibiana liderada pela ministra da Cultura, Katrina Hanse-Himarwa, recebeu 19 crânios, ossos diversos e couro cabeludo levados pelas forças coloniais alemãs à época do massacre. A maior parte dos restos mortais procede da coleção antropológica da clínica universitária Charité. Os ossos, em particular os crânios das vítimas, foram enviados à Alemanha para experimentos científicos sobre raças, numa época em que a ideia da superioridade de uma raça sobre outras era dominante na Europa.
Secretária de Estado para Relações Exteriores alemã, Michelle Muentefering pediu “perdão do fundo do coração” no evento e admitiu que a Alemanha “ainda tem muito a fazer” a respeito de seu passado colonial no território africano. Essa foi a terceira entrega de ossos aos herero e nama pela Alemanha, após gestos similares em 2011 e 2014.
Para Esther Utjiua Muinjangue, presidente da Fundação Genocídio Ovaherero, o governo de Berlim deveria aproveitar a ocasião para pedir desculpas formalmente e “curar feridas emocionais” nunca fechadas pelo trauma provocado nas duas comunidades.
— Reparações, reconhecimento e desculpas são condições para a normalização das relações diplomáticas entre Alemanha e Namíbia — disse a ministra Katrina Hanse-Mimrawa.
A Alemanha formalmente nega que tenha ocorrido um genocídio sob os parâmetros que o definem. O país, agora, se vê pressionado a definir oficialmente a sua posição sobre o massacre,depois de repetidamente se recusar a oferecer reparações financeiras, afirmando que já forneceu centenas de milhares de euros em ajuda ao desenvolvimento desde 1990, quando a Namíbia se tornou independente da África do Sul do regime do apartheid, que passou a governar o território em 1921.
A costa sudoeste da África foi anexada pela Alemanha no fim do século XIX, após a Conferência de Berlim de 1884, desencadeando assim expropriações de terras, estupros e assassinatos sistemáticos das populações que ali viviam.
Os nativos se rebelaram entre 1903 e 1904, e dezenas de colonos morreram em decorrência de ataques dos povos herero e Nnma. Em reação, a Alemanha enviou milhares de soldados à região para reprimir as revoltas.
Em agosto de 1904, cerca de 80 mil integrantes do povo herero fugiram com mulheres e crianças em direção a Botusuana e foram perseguidos por tropas alemãs no deserto. Apenas 15 mil sobreviveram, e em outubro ordens específicas de extermínio vieram das forças militares alemãs.A tribo dos nama, de menor dimensão, teve cerca de 90 mil pessoas mortas durante tentativas de rebelião contra os alemães ao longo do conflito.
Os capítulos brutais do colonialismo incluem mortes por inanição e pelo consumo de água envenenada nos poços.Mulheres e crianças eram alvo frequente de violência sexual, sequestros, remoções forçadas e escravidão sexual. Os descendentes dos dois povos, hoje espalhados por vários países, lutam há gerações por uma reparação judicial pelo massacre, com pedidos que incluem devolução de terras e indenizações. Além disso, querem integrar as negociações entre Alemanha e Namíbia sobre a questão.