Para ela, negras e indígenas são protagonistas em todas as etapas da cadeia criativa: “As pessoas precisam se entender num mundo onde elas passam a protagonizar as próprias histórias.”
Por Lola Ferreira Do HuffPost Brasil
Aline Lourena é a 281ª entrevistada do “Todo Dia Delas”, um projeto editorial do HuffPost Brasil.
Aos três anos de idade, Aline Lourena já dava sinais de sua veia artística nos passos de dança e balé que aprendia nas aulas. Aos 16 anos, ouviu que o balé clássico não era para ela por causa da sua estatura. Decidiu ser atriz, mas quando percebeu que o mercado era muito fechado, tomou outro rumo. Decidiu que ela mesma iria escrever e dirigir as próprias produções e, enfim, participar delas. Hoje, aos 32 anos, ela mantém há 10 anos a empresa TheLírios, uma agência de conteúdo audiovisual criativo com foco na mulher negra e indígena. Ali, elas são protagonistas em todas as etapas da cadeia criativa. “A importância disso é criar realidades. Imagens criam realidades. E só se muda o mundo a partir de pensar outros mundos”, diz.
Nascida em Santos, no litoral paulista, Aline aportou no Rio de Janeiro para cursar Rádio e TV na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Definindo a si mesma como “muito ativa”, foi dentro da universidade que fundou sua empresa, produziu um festival de cinema e lutou pela democratização da mídia. Ela também questionou a forma de utilizar as ferramentas que temos à mão para construir narrativas nunca antes valorizadas.
As pessoas precisam se entender num mundo onde elas passam a protagonizar as próprias histórias.
O “trabalho de formiga” de Aline quer ampliar a representatividade e criar espelhos nas telas e na telona.
cineasta define que seu trabalho enveredou pela educação e que descobriu a sede de ensinar: “Sobretudo em perspectiva: as pessoas precisavam entender a ferramenta política que elas tinham na mão, os meios de comunicação e, principalmente, se entender em um mundo em que elas passam a protagonizar as próprias histórias”, conta. Com esse entendimento, ela questionou ainda mais a representação de pessoas negras no audiovisual, e percebeu que a mudança não iria acontecer somente enquanto agências de conteúdo predominantemente brancas dominassem as narrativas da área. “A gente não muda a narrativa se não mudar quem está pensando a narrativa. Isso vale desde as funções mais básicas até as mais complexas dentro da cadeia do audiovisual”, explica.
Ela também teve que empreender para firmar seu negócio no rol de agências relevantes do País e acredita que o fortalecimento das redes e do afroempreendedorismo também é uma via para um mundo mais justo: “O empreendedorismo negro não é só vender de negro para negro, nem só produtos afro. É uma lógica de criação de rede, aquilombamento. Não é a lógica da concorrência branca, onde eu preciso aniquilar e ser mais forte do que você. Na minha perspectiva, quanto mais produtoras e conteúdos negros existirem, melhor para a gente. A gente cria mercado e demanda. A gente se torna dono”, analisa.
Meu trabalho está sempre ligado a colocar pessoas negras, mulheres, dentro da cadeia de produção.
“O racismo não pode minar sua capacidade de expressão artística.”
Empreender na área do audiovisual não é fácil. Sendo negro, empreender em qualquer área pode ser ainda mais complicado. Aline quer usar seu trabalho também para influenciar na formação do imaginário social, ampliando a representatividade e criando espelhos nas telas e na telona. “Quando criança sentia falta de boneco, programa de tv, séries e filmes onde eu pudesse ver gente como eu, como a minha família. Como é que você fura isso? Eu sou muito contra essa ideia de que a TV precisa incluir a gente, pra mim isso já é um papo do passado: para mim a gente tem que ser dono da tv, da produtora, da marca de shampoo. Porque se você não cria hegemonia política e econômica, você não muda as coisas”, define.
Mudando as coisas, Aline criou uma política na empresa: a maior parte dos funcionários é negra e mulher, para ter “um impacto direto e real na geração de emprego e renda”. Ela acredita que não adianta existir só uma profissional negra em cada área, é importante difundir o conhecimento e a vivência dessas pessoas. “Não basta, para mim, ser a cineasta, a da cota, a que selecionam e falam que aquele lugar é só para mim. Como que se opera isso? Com um monte de Lázaro Ramos, com um monte de Taís Araújo. Assim, a gente começa a parar de achar que é normal ser a maior parte da população e não se sentir representado. A gente começa a questionar.”
Se você não cria hegemonia política e econômica, você não muda as coisas.
Aline quer usar seu trabalho para influenciar na formação do imaginário social.
Para lidar com uma missão tão desafiadora, ela desenvolveu uma maturidade emocional, ainda que não tenha sido fácil. Ela explica que a dificuldade irá se manter “enquanto o mundo for mundo”, mas que não pretende parar com seu trabalho: “O racismo não pode minar sua capacidade de expressão artística”. Para ela, para imaginar um mundo sem racismo, precisamos começar a, também, fazer filmes sobre isso, criar histórias, pensar um mundo igualitário. “Tudo é experimentação, e se não vir da arte, não vai vir de outro lugar, porque é na arte que se pensa o ser humano nas suas particularidades.”
Dona de um sorriso avassalador, e uma voz potente — ela também faz parte do programa de rádio Na Onda das Pretas, na Rádio MEC AM — Aline é o tipo de mulher que transparece em sua fala e seu olhar um desejo genuíno de manter girando a roda das coisas boas da vida, seja pelo trabalho ou pelas relações pessoais que quer, cada vez mais, afinar com seus pares. Questionada sobre qual o seu sonho para os próximos anos, ela aponta um desejo aparentemente simples, mas importante de ser dito: “Meu sonho é continuar viva, vivendo bem. Quando eu falo viva não é só de olhos abertos, mas com a chama da vida pulsando em mim”.