As memórias de Aretha Franklin: Deus, raça e autoridade

Numa só edição, testemunhamos a coroação e a primeira fase do reinado de uma voz no apogeu

por João Gobjern no DN

Bastariam duas canções, duas versões, dois arranques de concerto que – nesta edição majestática – abrem dois discos, para podermos levantar a mão e a voz, anunciando o “bingo” ou o “eureka” ou algo de semelhante. Quem ouvir a cavalgada rítmica com que a cantora reclama I Can”t Get No Satisfaction (na abertura de Aretha in Paris, 1968) e com que atira de imediato Mick Jagger para um “lar da terceira idade”, estacará obrigatoriamente e perceberá que uma voz assim pode fazer o que quiser, saltitar de estilos, flirtar com diferentes companhias, acelerar ou travar como entender, sem deixar de causar o nó na garganta e o arrepio na espinha.

Quem preferir um encontro com Aretha Louise Franklin – nascida a 25 de março de 1942, em Memphis, Tennessee – em região mais demarcada, só precisa de trocar o disco (a abertura de Aretha Live at the Fillmore West, 1971) e constatar como nem mesmo o grande Otis Redding conseguiu conservar a primazia numa canção-hino que ele próprio escreveu mas que a Lady Soul confiscou, remodelou e nunca mais cedeu a terceiros: Respect, que ainda hoje serve de estandarte a causas tão diversas (ou nem por isso…) como a igualdade entre raças ou a libertação feminina.

Para chegarmos mais rapidamente ao que aqui nos traz, uma coleção de 16 álbuns espalhados por 19 CD, que correspondem ao essencial do trabalho de Miss Franklin com o selo editorial Atlantic, cabe de imediato uma declaração de voto. Admita-se que o trono masculino da soul e do R&B pode ser, com argumentos de peso para cada um dos aspirantes, disputado entre homens como o já citado Redding, Sam Cooke, Al Green, James Brown, Smokey Robinson, Stevie Wonder, até Michael Jack-son. Se abrirmos as candidaturas aos que nunca se fixaram dentro de quaisquer fronteiras, tornar-se-á justo acrescentar os notáveis Ray Charles e Prince.

Quando nos viramos para o género feminino, não há quem possa fazer sombra a Aretha Franklin. De resto, disso mesmo se faz prova com a recuperação deste período nuclear: todos os álbuns, mesmo aqueles que só veriam a luz do dia anos mais tarde, foram gravados entre 1967 e 1976 (embora a cantora só deixasse a editora três anos depois). A ideia de “obra”, mesmo com dois e três discos registados num mesmo ano civil, o que transmite a urgência da gravadora em aproveitar a frescura sábia da artista – quando chegou à casa só tinha 24 anos, mas cantava profissional e publicamente desde os 15 – para que ela deixasse marca, inconfundível e vibrante, de uma voz única e de um estilo irrepetível.




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