Blackface na torcida também é racismo

A caracterização de pessoas negras de forma estereotipada, geralmente com intuito de ridicularizá-las em tom humorístico, é conhecida como “blackface” e já é recorrente há mais de um século no Ocidente

Por Jarid Arraes

No último dia 20 começaram a circular nas redes sociais fotos de torcedores franceses que compareceram a um jogo da Copa vestidos de “baianas”. Os homens em questão usavam roupas de renda branca, turbantes e colares típicos e, apesar de alguns terem até mesmo pintado o rosto com tinta preta, foram amplamente retratados pela mídia como um mero grupo de rapazes bem humorados. Já na última partida entre Alemanha e Gana, torcedores alemães se pintaram com tinta preta e usaram camisetas evidenciando a palavra “GHANA”. Nesse caso, a FIFA declarou que abriria uma investigação e procuraria “evidências de discriminação”.

Não é recente o fato de que pessoas brancas colorem seus rostos de preto, colocam perucas de cabelo crespo artificial, pintam os lábios de vermelho e forçam caricaturas de pessoas negras. A caracterização de pessoas negras de forma estereotipada, geralmente com intuito de ridicularizá-las em tom humorístico, é conhecida como “blackface” e já é recorrente há mais de um século no Ocidente. Esse tipo de “fantasia” é presença garantida em festas de carnaval, programas televisivos e até mesmo em protestos políticos. Em pleno ano de 2014, muitas pessoas ainda acham que a presença da famigerada “nêga maluca” é mandatória para promover o bom humor. Apesar disso, é inegável que o “blackface” marginaliza pessoas negras, não apenas porque as debocha e exotifica, mas também porque exclui a própria autorrepresentação de quem é negro. Não há qualquer dúvida de que é um costume extremamente racista – o que, infelizmente, parece não ser tão óbvio para a FIFA.

A Copa de 2014, segundo a própria FIFA e a fala da presidenta Dilma na televisão, é uma oportunidade para combater o racismo. Apesar disso, muitos grupos do movimento negro brasileiro e ativistas dos Direitos Humanos questionam-se como esse combate acontecerá, se já começou ou se dará algum sinal de vida. Afinal, se o comitê da FIFA precisa buscar evidências de discriminação diante de um ato racista tão explícito como o dos torcedores alemães, a situação está mesmo complicada e o racismo se prova ainda mais naturalizado e imperceptível. Pessoas do mundo inteiro presenciaram tal fato e voltarão para casa ainda mais acostumados com o cotidiano de desvalorização da população negra mundial.

Os franceses que se vestiram como baianas podem até ser homens bem humorados e que só desejavam um pouco de diversão – mas se divertir ridicularizando a cultura negra não passa de racismo explícito. Como se isso não bastasse, pintar o rosto com tinta preta, colocar colares que são considerados sagrados para as religiões de matriz africana e pular na arquibancada é uma atitude de apropriação cultural e falta de respeito com símbolos culturais e religiosos de todo um grupo.

Alguém precisar puxar a FIFA de lado e ensinar o que é racismo e como combatê-lo, uma vez que não se resolve o problema do racismo com investigações pontuais e questionáveis, especialmente se tratando daquilo que já é óbvio. O esforço precisa ser muito maior e medidas educativas precisam entrar em campo. A sede da Copa de 2014 é um país que tem mais de 50% do seu povo autodeclaradamente negro – essa gente não pode simplesmente ficar quieta e aceitar deboche e desrespeito contra sua cor e sua cultura.

Fonte:Revista Forum

+ sobre o tema

Pedagogia de afirmação indígena: percorrendo o território Mura

O território Mura que percorro com a pedagogia da...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas,...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22%...

para lembrar

A ferocidade da aversão ao outro

Fonte: Estadão. Com Por Gilles Lapouge*     ...

Violência contra a mulher, homofobia e racismo poderão ser denunciados por Whatsapp

Serão cinco postos fixos do observatório: um na Piedade,...

Juiz americano se nega a unir casal inter-racial

Fonte: Terra -   Um juiz de paz...

Uma carta de resposta dos judeus que não riram

Roberto Tardelli achou por bem utilizar o espaço de...
spot_imgspot_img

Grupos antirracistas criticam ‘blackface’ em desfiles de Reis na Espanha

Ativistas espanhóis contra o racismo pediram o fim do uso da pintura "blackface" vista em muitas das tradicionais comemorações do Dia de Reis no...

Quanto custa a dignidade humana de vítimas em casos de racismo?

Quanto custa a dignidade de uma pessoa? E se essa pessoa for uma mulher jovem? E se for uma mulher idosa com 85 anos...

Unicamp abre grupo de trabalho para criar serviço de acolher e tratar sobre denúncias de racismo

A Unicamp abriu um grupo de trabalho que será responsável por criar um serviço para acolher e fazer tratativas institucionais sobre denúncias de racismo. A equipe...
-+=