eu acho triste; aliás, acho humilhante ver intelectuais
brancos se debatendo para serem ouvidos.
desde que os ouçam em silêncio.
mandam-me um texto de contardo caligaris.
fazia tempo que eu não o lia.
a última vez que li uma coisa sua, ele se jactava de sua sapiência, como quem lambe o próprio pau, e chamava a revolucionária teoria estruturalista, formulada por saussure, de uma ingenuidade, ou coisa assim.
me levantei e fui tomar um café, não sem antes amassar o jornal.
então… dessa vez o texto me chegou pelo zap, veja você.
caligaris defendia, como um goleiro destrambelhado, uma ideia bisonha, que ele tirou sabe-se lá de onde.
ele reclama do fato, delirante, de que há uma regra aí que impede quem não é negro de falar sobre negros e que quem não é gay não pode falar de gays.
e o texto dele é, inteiro, ele falando sobre negros e gays.
pode ou não pode?
o que não pode é falar merda. ou “falar asneiras” como ele disse.
caligarias ainda teve a insolência de assumir a voz de “um” negro, que pensa como ele pensa, e o usou como um escudo para defender seus caligáricos delírios.
se você é esse ilhéu que vive numa condição de privilegiado, cercado de miseráveis por todos os lados, e com os quais você sequer tem contato, você deve saber que esse lugar de privilégio nem é um destino, é um lugar de privilégio.
às vezes a gente precisa ser repetitivo e redundante.
o macho-branco- heterossexual quer ensinar como o negro deve lutar sua luta, ele quer definir como o gay deve agir em relação à causa que defende, ele quer determinar como uma feminista deve orientar o seu feminismo…
ele quer manter as coisas sobre o seu controle.
e ele o faz não por ter força, mas por ter medo.
ele teme que as coisas mudem e ele perca o seu status de senhor da palavra e da razão.
o que se chama de cancelamento nesse caso é, na verdade, um questionamento.
não é nada além disso.
não te dar ouvidos é, sim, te questionar.
lembro da barbara gancia xingando o emicida por questioná-la pela sua estupidez.
é assim, quando os malês ganham as ruas eles perdem a pose, pegam os bacamartes, as espadas, os chicotes e saem, archotes nas mãos, olhos esbugalhados, xingando emicidas.
e tremendo de medo.
tem uma rapaziada aí que acha que o seu cabedal de conhecimento – que muitos confundem com sabedoria -, são intimidadores; como aqueles crachás que eles gostam de esfregar na cara de serviçais.
porém, é bom pegar a visão, agora, para cada mateus terá sempre um matheus.
essas pessoas imutáveis, que querem ensinar os outros como devem agir para mudar as coisas, são as mesmas que estão se agarrando às estátuas de seus antepassados criminosos, criando construções retóricas para defendê-las, como se estivessem a defender a si mesmas.
e, em verdade, estão.
e esse esperneio é uma prova disso.
dizem que as estátuas representam a história…
quem não percebe que é exatamente por isso que elas devem ser arrancadas, não entendeu nada.
e merece, sim, umas boas chineladas.
ter, numa praça pública, um monstrengo que representa uma criatura que humilhou, espancou, estuprou e matou os seus antepassados é uma afronta.
é um escárnio.
“na época dos barraco de pau lá na pedreira, onde cês tava? o que que cês fizeram por mim?”
qual é a causa que você defende?
a enologia, o aflato fluido da gaitinha de boca, o estudo das dores das cores, o movimento do vento nos astros, o voo das borboletas, a partitura intocável, a pintura invisível?
então fale sobre vinhos, cores, borboletas e nadas.
mas não venha me ensinar a nadar.
agarra-te a estes bonecos de praças, latrinas de pombos.
agarra-te ao teu passado que te sustenta firme no chão, como uma estátua viva.
e sinta o chão tremer.
é o que te resta.
abaixo todas as estátuas, móveis e imóveis!
palavra da salvação.
Lelê Teles