Em setembro do ano passado, o agropecuarista Carlos Eduardo Coelho, de 68 anos, estranhou ao notar um caroço debaixo da mama esquerda no banho, mas não foi muito além disso. Tempos depois, percebeu que havia aumentado e decidiu então procurar um médico. O diagnóstico foi um choque: câncer de mama. Até então, pela falta de informação, ele acreditava que só mulheres tinham esse tipo de tumor. Carlos Eduardo teve sorte. Pelo formato e tempo do nódulo, as chances de cura eram enormes. Mesmo assim, ele teve de passar por oito sessões de quimioterapia, 28 de radioterapia e cirurgia de mastectomia — a retirada completa da mama.
— Minha autoestima não foi abalada, mas a vida muda drasticamente. Não sou mais o mesmo depois de tudo isso. Fiquei careca, perdi peso, me sinto mais cansado, mas tive um grande apoio, tanto dos médicos quanto da minha família, principalmente da minha esposa, que esteve sempre ao meu lado me dando forças e me passando alegria nas horas de grande angustia e depressão — afirma Carlos Eduardo.
O câncer de mama é o tipo que mais acomete mulheres em todo o mundo e o que ocupa o primeiro lugar em mortalidade também. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), cerca de 2,3 milhões de casos foram estimados para o ano de 2020 em todo o mundo, o que representa cerca de 24,5% de todos os tipos de neoplasias diagnosticadas nas mulheres.
Mas, por mais que seja extremamente raro, os homens também têm risco de desenvolver este tipo de câncer. O número é baixo, representando apenas 1%, mas vem crescendo com o passar do tempo, visto que há menos de cinco anos a incidência ficava pela metade.
Muitos homens não sabem que podem ter a doença, não têm o diagnóstico certo, ou não sabem qual médico procurar para pedir ajuda. Como forma de comparação, em 2021, foram realizadas 3.497.439 mamografias em mulheres no SUS, enquanto nos homens foram feitas apenas 7.281.
Médicos ouvidos pelo GLOBO afirmam que a primeira coisa a fazer é falar para os homens, por mais banal que pareça ser, que eles têm mama. Ou seja, os homens também possuem a glândula e podem ter células cancerígenas.
— Para cada 100 mulheres, existe pelo menos um homem com câncer de mama e, infelizmente, não há recomendações médicas para fazer um rastreio dessa doença como têm para as mulheres. Este tipo de câncer não escolhe idade ou sexo, pode afetar todos embora o risco não seja o mesmo para todos — explica a mastologista chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), Maira Caleffi.
Diagnóstico tardio
De acordo com a médica, o diagnóstico acaba sendo mais tardio para eles:
— Os homens não têm o hábito de se tocar e, por conta da falta de informação, dificilmente serão diagnosticados com o câncer de mama precocemente. Quando procuram o médico, em muitos casos, o tumor já está grande, em fase avançada, pegando outros órgãos e a chance de cura diminui — esclarece Caleffi.
A médica afirma que a faixa etária de prevalência do câncer de mama em homens é mais alta do que em mulheres, por volta dos 60 anos, mas que o grande diferencial entre os dois está na hereditariedade. Enquanto nas mulheres, cerca de 90% dos tumores na mama não são hereditários, nos homens a maioria dos casos é relacionada à história familiar. Ou seja, se em algum momento um homem na família tiver câncer de mama, os filhos, netos e bisnetos, devem fazer exames de rastreio na região ou até aconselhamento genético porque passam a ser pessoas de risco, independentemente do sexo.
É o caso do cabeleireiro Messias Sartori, 76 anos, que recebeu o diagnóstico de câncer de mama há 26 anos. A sobrinha dele também teve câncer de mama, aos 24 anos, e acabou falecendo. O filho de Messias, Wellington Sartori, 53 anos, precisa fazer exames regulares para saber se corre o risco de desenvolver a doença.
— Há cinco anos fiz uma série de exames, incluindo uma ultrassonografia das mamas, e o médico chegou a me perguntar por que eu estava fazendo aquele exame, porque não era comum. Graças a Deus não tinha nada, nenhum caroço, ou sintoma que pudesse apontar para o câncer. Vou repetir os exames ainda este ano — revela Wellington Sartori.
Sinais e tratamento
Os sinais são os mesmos que nas mulheres. O homem precisa ficar de olho se a mama cresce mais do que o normal, se há dor, ou sangramento. O principal, no entanto, é se há nódulos nas mamas, ou por baixo das axilas. Ele deve procurar um médico especializado, de preferência um mastologista, para ajudar a diagnosticar de maneira certa a doença.
— Apesar de raro, todo homem que apresentar sintoma e sinal deve procurar serviço médico para exame clínico e afastar a possibilidade do câncer de mama. Os jovens de hoje usam e abusam de anabolizantes que ajudam no desenvolvimento das glândulas mamárias e as fazem crescer. Em alguns casos isso pode ajudar a expandir as chances de ter um câncer de mama, por exemplo. Em 90% dos casos não passa de uma ginecomastia, ou seja, quando há o crescimento anormal dos seios em homens, mas é algo benigno, sem riscos, causada pela utilização desses hormônios sem acompanhamento médico — diz Luiz Abla, cirurgião da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Apesar da mamografia ser indicada e eficiente no caso das mulheres, para os homens, em razão do tamanho da mama ser inferior, na maioria dos casos o exame pode não ser benéfico, além de causar dor. Os médicos aconselham então a fazer uma ultrassonografia da mama e uma biópsia da região. Mesmo se a suspeita for de uma ginecomastia, é aconselhável fazer uma biópsia para verificar se não há células tumorais.
— Caso seja diagnosticado com câncer de mama, como não é algo muito investigado e demora para ser tratado, a maioria dos casos já chega com o tumor grande, com alto risco de metástase, então é necessário realizar cirurgia mais agressiva de retirada total da mama, ou seja, a mastectomia, e reconstrução imediata com equipe multidisciplinar. Raramente conseguimos fazer uma cirurgia mais conservadora — explica Abla.
Todos os pacientes diagnosticados com câncer de mama, ouvidos pelo GLOBO, identificaram os tumores durante o banho, enquanto se ensaboavam e sentiram um caroço com um simples toque. Caso seja descoberto precocemente, as chances de cura vão de 95 a 97%.