Caro recrutador, não me pergunte se tenho filhos

Aconteceu comigo mais de uma vez. A entrevista de emprego corria muito bem, obrigada. Eu via nos olhos do recrutador um evidente encantamento com a minha pessoa, com meu currículo e a experiência profissional que eu descrevia quando, em um clima falsamente descontraído, surge a pergunta: “Você tem filhos? De que idade?”.

por Bárbara Semerene no HuffPost Brasil

Será que esta é uma questão que cabe numa entrevista de emprego? Me parece pouco objetiva, além de antiprofissional, com pitadas de preconceito, machismo e um tanto quanto invasiva. É quase como perguntar a orientação sexual do candidato, o estado civil ou a posição política.

Jamais fizeram essa pergunta para o meu marido ou para qualquer amigo do sexo masculino na mesma situação (minto: ouvi falar de um caso, em São Paulo, mas vamos combinar que é algo raro). A pergunta é direcionada à mulher com muito mais frequência do que ao homem porque supõe-se que mãe falte (ou deva faltar) trabalho para levar filho doente ao médico. Pai, não. Supõe-se que mãe não possa viajar a trabalho porque não vai querer ficar longe do filho. Pai, sim. Supõe-se que mãe não possa fazer hora-extra por não ter com quem deixar o filho. E o pai? O pai deixa filho com a mãe, certo?!

A pergunta peca em assertividade porque não mira no cerne da questão: o que de fato o recrutador quer saber é se algo importante na sua vida vai perturbar o fluxo do seu trabalho com uma certa constância. Mas quantos potenciais limitadores poderiam atrapalhar a rotina corporativa de um(a) funcionário(a), além de filhos! E se a pessoa não tem filhos, mas faz mestrado ou tem um outro emprego no horário em que poderia precisar fazer horas-extras? E se tiver um marido ciumento ou pânico de viajar de avião? E se ela tem um cachorro ou uma mãe doente de quem precisa/queira cuidar?

Vamos pensar às avessas: e se a funcionária tem filhos pequenos, não pode fazer hora-extra, porém tem uma agilidade ímpar de raciocínio e consegue concluir trabalhos complexos em tempo recorde? E se ela tem filhos pequenos e justamente por isso queira viajar para dar uma escapadinha da rotina de vez em quando? E se ela tem filhos e tem uma estrutura com empregada, babá, avós presentes e pai que divide o cuidado em igualdade de deveres?

Ao recrutador cabe descrever com clareza o perfil da vaga, avaliar se o currículo, a experiência profissional e o perfil psicológico da funcionária se encaixam nela. Cabe à funcionária decidir se quer adaptar o seu estilo de vida ao posto.

Voltemos à fatídica pergunta: como respondê-la com profissionalismo?

a) “Não é da sua conta.”
b) “Tenho filho pequeno, e daí?”
c) “Sim…”, em voz baixa, sem graça, com a cara pálida e a boca seca de constrangimento.

Nenhuma das alternativas. A resposta a) seria deselegante e grosseira. A b) muito na defensiva. A c) legitima o preconceito, o machismo e a invasão de privacidade. Mas foi a resposta que me senti compelida a dar todas as vezes que a pergunta me foi feita, pra logo em seguida sair da sala de entrevistas arrasada, culpada por ser mãe e com a certeza de que não conquistaria o almejado posto – mesmo depois de me justificar detalhando toda a estrutura que tenho que me permite trabalhar em paz.

Depois de debater com algumas amigas que passaram pela mesma situação, concluímos que a forma mais objetiva e profissional de responder a essa opressora pergunta, de modo a ajudar o recrutador a “ajustá-la”, é por meio de outra pergunta:

“Você quer saber se eu tenho restrições de horários e disponibilidade para eventuais viagens?”

Posso estar sendo pessimista. Talvez o recrutador queira apenas me enquadrar no estereótipo de pessoa responsável, comprometida com o trabalho, humana e organizada – funções que a maternidade supostamente traz para a mulher. Ou, é possível, ele pode estar interessado em analisar, de acordo com a minha resposta, o espaço que eu dou para os filhos na minha vida. Mas, sendo bem realista, na maioria dos casos, os filhos são vistos pelas empresas (e colocados pelas próprias funcionárias-mães) como um “passivo” profissional, um ônus no currículo de uma mulher.

Candidatas a vagas devem ficar alertas, isso sim, ao que a fatídica pergunta pode revelar sobre a empresa:

a) não valoriza que seus funcionários tenham uma vida equilibrada no campo pessoal e profissional.
b) tem uma cultura ultrapassada, com um conceito limitado do que seja um “bom funcionário”: ele deve viver para o trabalho em detrimento de todas outras áreas de sua vida.
c) não tem planejamento, não respeita horários pré-estabelecidos de trabalho e precisa de profissionais prontos para atuar 24 horas por dia.
d) o RH da empresa não tem técnicas modernas de traçar o perfil do profissional por meio de testes e dinâmicas, se utilizando de modelos ineficientes.

Pensando bem, da próxima vez que esta pergunta surgir, é você quem deveria, de antemão, repensar seu interesse na vaga. Será que esta empresa tem o perfil que você está procurando?

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