Chega de achar comum ser tratado de forma incomum!

Um dia “normal” no Brasil e no mundo, só que dessa vez o episódio aconteceu comigo, não que não tenha acontecido antes, mas nunca tão explicito. Moro numa pequena cidade histórica da Chapada Diamantina, Rio de Contas e no dia 23 de abril de 2011, fui agredida fisicamente, além de sofrer difamação, seguido de discriminação racial numa festa infantil! Primeiro aninho da filha de minha amiga de infância. Eu estava acompanhada do meu sobrinho de três anos, que na hora dos parabéns, estava sendo agredido por outra criança da mesma idade, e bem maior fisicamente. Ao ver aquilo, chamei meu sobrinho e pedi para a outra criança parar, dizendo: – Bate nele não viu, mô?.

Nesse momento, a mãe do menino que estava afastada, veio na minha direção gritando: “Não grita com meu filho sua neguinha, vagabunda!!” Em seguida agarrou no meu seio e me deu um beliscão. Fiquei paralisada. Só conseguia perguntar à agressora, a Senhora Iracema Abreu Teixeira, se ela estava ficando louca. Não tive reação, não conseguia tamanha era a minha indignação. Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo! Ela saiu dizendo impropérios racistas e preconceituosos, me chamando de “negra preta do cabelo duro e dizendo que ia arrancar minha peruca”. O fato de eu ter assumido o meu cabelo e principalmente a minha identidade, serve de chacota para fantoches manipulados pela mídia que dita um padrão de beleza ideal. Havia outra mãe entre mim e a agressora que ficou indignada com a reação daquela mãe racista e violenta, pois acompanhou todo o acontecido.

No momento não cultuo nenhum tipo de mágoa ou rancor, só anseio por justiça, numa terra de filhotes de coronéis, onde até hoje as pessoas são submetidas a situações como essa, por famílias que se dizem tradicionais e/ou contam com apoio político local desde sempre. Quero que todos saibam que não precisamos nos calar mais, chega de submissão e humilhação.

Sigamos o exemplo de Maria Brandão, riocontense que no início do século 20, nunca se curvou diante das discriminações que sofreu por ser mulher, negra e filiada ao antigo PCB, mesmo não tendo a Lei, à época a seu favor.

Estamos no século XXI, em um país democrático, que possui uma das constituições mais belas e humanitárias das nações. Não é possível que continuemos convivendo com situações semelhantes a estas, por parte de gente que perdeu o bonde da história e ainda vive no século XIX, quando era aceito normalmente todos os tipos de discriminação. Morar em uma cidade pequena, histórica, não dá a ninguém a licença de ser mal informado, ou um mau cidadão/cidadã. Essas pessoas precisam entender que racismo é crime, e tem de ser tratado como tal. Por isso, busco com este relato mostrar um recorte do que é o dia a dia sem máscaras sociais em Rio de Contas, em que a democracia racial ainda sofre com episódios terríveis como este. Muitas pessoas testemunharam, mas sentem medo, não querem se indispor, preferem não se expor. Não vou dizer que entendo, mas respeito e espero que nunca passem por isso, afinal ninguém está livre, visto que poucas mascaras se permitem cair.

Sou mulher, negra, estudante de agronomia na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, participo de movimentos sociais, assumo meu cabelo, assumo minha cor, assumo minha identidade, não vou me calar, não vou me acomodar e este não vai ser só mais um caso engavetado e barrado por pessoas que se dizem influente.

Elaine Aparecida Santos de Novais

 

Fonte: Lista Racial

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