A Assembleia Geral, por meio de sua Resolução n. 68/237, de 23 de dezembro de 2013, proclamou a Década Internacional dos Afrodescendentes, com início em 1º de janeiro de 2015 e fim em 31 de dezembro de 2024, e com o tema: “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”.
Por Juarez Xavier / Ilustração Vinicius de Araujo, no Alma Preta
Nesse contexto, o homicídio de jovens, negros e pobres é o principal indicador da segregação racial no País, cuja prática se naturalizou na sociedade, sem ter merecido um amplo estudo por parte da academia.
Ele ceifa a criatividade dos segmentos jovens, de forma desenfreada e impune. Seu “braço” opera em dois vetores: material [síntese das violências] e simbólico [segregação das manifestações culturais]. As políticas públicas adotadas para conter o seu avanço são insuficientes para a reversão do fenômeno, a agem como redutores de danos. Nas últimas décadas, seu traço estatístico é ascendente, ante a inatividade, inoperância e tolerância da ciência, quanto a sua manifestação.
Os estudos promovidos em centros de pesquisas avançadas de universidades brasileiras [sem vinculação direta com a temática afrodescendente] e por pesquisadoras e pesquisadores negras e negros dão a magnitude do problema: o racismo age como força material na seleção dos alvos das violências social e policial; na letalidade das ações em áreas vulneráveis; na ação discricionária e punitiva da justiça; nos mecanismos de ingresso nos sistemas sociais [educação e trabalho], e na distribuição seletiva dos direitos sociais. Em síntese, no extermínio da juventude negra e pobre.
Esse genocídio é a parte visível das violências que atingem a população afrodescendente, congelada no “porão” da sociedade, sem mobilidade vertical, e “vítima de um crime perfeito”.
As denúncias das violências são assimétricas. As narrativas das organizações da juventude negra [discurso estético/ particular] e da “mídia negra” [discurso midiático/singular] superaram, em quantidade e muitas vezes em qualidade, as narrativas científicas [discurso científico/universal], produzidas em monografias de graduação e dissertações e teses de pós-graduação, a despeito dos esforços dos núcleos de pesquisa existentes em universidades públicas .
A ausência de disciplinas sobre a questão racial [no ensino], a pequena inserção em projetos sociais [na extensão], e a falta de linhas de financiamento [nas pesquisas] desidratam a contribuição da universidade na qualificação do debate público e na procura de soluções críveis para a superação do fenômeno.
Nesse cenário, as universidades públicas se movimentam, frente ao impacto das políticas públicas inclusivas: adoção de cotas sociais e raciais, organização de projetos pedagógicos que atendam as demandas legais, construção de coletivos negros e a rearticulação dos núcleos de pesquisa sobre a temática racial.
Pesquisadoras e pesquisadores [docentes e discentes] da Universidade Estadual Paulista trilham por essa vereda: reorganização do Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão (Nupe) da Unesp e da revista Ethnos, periódico científico vinculado ao núcleo. O Nupe planeja desenhar espaços favorecedores ao debate da questão racial, com foco na sociedade, nas culturas brasileiras, na etnicidade e na (s) diáspora (s) africana (s), com a troca e o debate de ideias em caráter multidisciplinar e internacional, e – dessa forma – contribuir para decifrar a esfinge da violência que ainda devora o futuro de jovens pobres e negros, nesse início da Década dos Afrodescendentes.
*Juarez Tadeu de Paula Xavier é professor do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, campi Bauru, e coordenador do Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão (NUPE).