Sou um homem de 32 anos e moro desde que nasci no Complexo do Alemão. Jornalista, ativista, empreendedor, pesquisador da área de segurança pública e pai de quatro crianças que estão crescendo dentro da favela.
Ao longo dessas três décadas de sobrevivência e reexistência, mergulhei fundo na história e nas experiências de um país tão brutalmente desigual e que silencia e perpetua importantes problemas sociais, como o racismo.
Agora, em meio à pandemia, vemos a explosão caótica do acúmulo de “nãos” em relação à garantia dos direitos mais básicos para uma grande parcela do povo brasileito. Fome, dificuldade de acesso à água potável, desinformação em massa, desemprego e educação defasada são algumas questões que demonstram o quanto estamos atrasados e retrocedendo. Dentre tantas pautas importantes, escolhi falar sobre segurança pública nesta coluna.
O recente relatório “Um Tiro no Pé” , que integra a sequência de pesquisas “Drogas: Quanto Custa Proibir?”, do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), aponta um custo bilionário para aquilo que ouso dizer ser a maior e mais recente queimação de dinheiro público: a falida e violenta “guerra às drogas”.
O valor de R$ 5,2 bilhões foge da realidade da maioria dos brasileiros que sofre com o aumento cada vez maior da desigualdade por conta da pandemia. Apesar da urgência de investimentos no combate à disseminação do vírus e à fome, essa quantia é a soma dos gastos com a repressão ao tráfico e ao consumo de drogas no período de um ano, e isso apenas nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Atuando em movimentos sociais em prol de populações que vivem em favelas e sendo morador de favela, enxergo esse valor com dor e revolta. Conheço o resultado caótico da política de drogas no nosso país. Vi e vivi violências direcionadas e muito terror, consequentes dessa atrasada e caríssima política de repressão.
No mesmo período em que se aplica a análise do relatório, várias crianças perderam a vida, pessoas inocentes foram assassinadas e feridas, houve muita destruição e nenhuma mudança real. Operando para o genocídio da população negra e sem mudanças positivas, o gasto biolionário com estruturas públicas do campo da segurança pública e justiça criminal é inaceitável e um prejuízo inaceitável para a população.
Precisamos deixar para trás esse modus operandi atrasado, desigual e racista. Que tal começar refletindo sobre os gastos ineficazes de uma política de segurança que não deixa sequer a sensação real de segurança na população? Leiam este relatório e vejam por conta própria.