Combustíveis verdes não matam a fome

 

Tendo em vista respeitar as normas sobre o desenvolvimento de biocombustíveis, os europeus disputam entre si milhões de hectares de terras africanas onde cultivar as plantas destinadas à sua produção. Em detrimentos das culturas de produtos alimentares, denunciam as ONG.

Por: Stefano Valentino

Imagine a superfície da Suiça – quatro milhões de hectares – inteiramente coberta de plantações destinadas a abastecer viaturas e centrais elétricas. É essa a área que totalizam as terras hoje exploradas pelos ocidentais, em África, para a produção de biocombustíveis. Os britânicos estão em primeiro lugar, com o recorde de 1,6 milhões de hectares de terras cultivadas, seguindo-se os italianos, os alemães, os franceses e os norte-americanos.

Todos apostaram nas previsões anunciadas em 2004 pelo Copernicus Institute de Amesterdão: se o mercado da bioenergia vier a crescer, o continente que possuir a maior quantidade de terras aráveis, a preço módico, tornar-se-á o primeiro produtor mundial. Os 807 milhões de hectares de terras virgens do solo africano são quinze vezes mais do que a área necessária para satisfazer as necessidades em combustíveis de origem agrícola dos próximos 20 anos.

Legislação da UE aumenta procura de biocombustíveis

Foi sobretudo a legislação europeia que relançou a procura de biocombustíveis. A partir de 2011, as estações de serviço dos Estados-membros da UE devem aumentar progressivamente as percentagens de combustíveis com fraco teor de dióxido de carbono: bioetanol para a gasolina e biodiesel para o gasóleo. O objetivo final é chegar aos 10%, até 2020. As novas normas têm em vista reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e, também, a dependência do petróleo, substituindo-o por combustíveis extraídos de matérias vegetais.

Mas a Europa não possui terras aráveis suficientes para produzir os combustíveis de origem agrícola necessários. Segundo o Institute for European Environmental Policy, de Londres, o objetivo ambicioso de 10% de biocombustíveis implicará que estes últimos sejam importados em quantidades três vezes superiores. Os fornecimentos atuais provenientes da Ásia e da América Latina não bastarão.

África surge assim como o novo paraíso do “petróleo verde”: um combustível extraído principalmente de uma planta originária da América Central – a jatrofa – cujos grãos contêm um óleo com o qual se produz um biodiesel ecológico. Passámos em revista cerca de 90 projetos executados em mais de 20 países africanos por 55 empresas, a maior parte das quais europeias. Perto de 2,8 milhões de hectares – mais de dois terços da totalidade – foram destinados à produção de jatrofa.

E o WWF [Fundo Mundial para a Natureza] dizia que só chegaríamos aos 2 milhões de hectares em 2015… A cultura de jatrofa atingiu esta amplitude designadamente devido ao facto de se prever que, no futuro, o biodiesel representará 71% das importações de biocombustíveis pela UE.

Tal dimensão é também consequência da renúncia progressiva ao gasóleo nos transportes rodoviários. Vários investidores estabelecidos em África aguardam já a obtenção da certificação da sustentabilidade ambiental do óleo de jatrofa que produzem, em conformidade com os requisitos da diretiva europeia sobre energias renováveis.

Estimativas oficiais de áreas são a ponta do icebergue

Contudo, o número total de hectares é apenas a ponta visível do icebergue. Na verdade, não tem em conta os projetos locais nem as vastas concessões obtidas por outros países: não só a China como também os dois gigantes que são o Brasil e a Malásia. Em primeiro lugar em África, em matéria de culturas destinadas à produção de biocombustíveis, esses países preparam-se para os exportar para o Velho Continente, quando o aumento do preço do petróleo e a supressão dos direitos aduaneiros da UE sobre os produtos agrícolas locais permitirem que os seus produtos se tornem altamente competitivos.

Além disso, a expansão estrangeira é incentivada por vários Governos africanos. Doze deles já assinaram a carta da chamada “OPEP verde”, uma iniciativa que defende a produção e a utilização local dos combustíveis de origem agrícola para reduzir as dispendiosas importações de petróleo. O objetivo é realizar economias significativas e reinvesti-las na consolidação da agricultura e da autossuficiência alimentar. Contudo, o programa é ameaçado pela ausência de políticas públicas eficazes.

Segundo um relatório da International Land Coalition, 66% das terras adquiridas em África destinam-se a produzir biocombustíveis e apenas 15% ao cultivo de produtos alimentares. De acordo com o mesmo documento, no conjunto, a superfície ocupada pelas culturas para biocombustiveis rondaria os 19 milhões de hectares. A nível mundial, a substituição de culturas alimentares por plantações destinadas à produção de energia contribuiu para o aumento drástico dos preços dos géneros alimentares, quando das fomes de 2008. Isso bastou para que as organizações humanitárias criticassem violentamente a agroenergia..

Projetos pequenos favorecem mais a sustentabilidade

Os investidores garantem que, em seu entender, a jatrofa – que cresce facilmente nas zonas áridas do planeta, inadequadas para a agricultura – é A resposta às críticas da sociedade civil. No entanto, alguns estudos da FAO e algumas peritagens e experiências no terreno mostram que a jatrofa requer mais água do que o previsto, para responder às necessidades de uma produção comercial, e que em muitos casos substitui florestas, o que põe em causa a sua sustentabilidade.

Para salvar a reputação e limitar os riscos económicos, muitos investidores interessam-se por projetos locais, enquanto esperam por tempos melhores para a exportação. “Em consequência da crise financeira, a maior parte das grandes monoculturas de jatrofa perdeu, ao mesmo tempo, o atrativo e os patrocinadores”, conclui Meghan Sapp, secretária-geral da rede de promoção da sustentabilidade Partners for Euro-African Green Energy, com sede em Bruxelas.

Em seu entender, “a UE deveria tirar partido disso e financiar sobretudo projetos menos ambiciosos, no quadro do seu programa de cooperação com África no domínio das energias renováveis”.

INDÚSTRIA DOS BIOCOMBUSTÍVEIS

O futuro está no lixo doméstico e das empresas

Segundo o bloguista do jornal The Guardian Damian Carrington, que cobriu a conferência World Biofuels Market em Roterdão, de 13 a 15 de março, os de março, os líderes industriais acreditam que

o lixo doméstico e o lixo das empresas irá ser a fonte mais promissora de biocombustíveis em 2012.

Numa sondagem recente sobre fontes da “próxima geração” de biocombustíveis (i.e., sem contar com alimentos como os cereais, ou o açúcar), “os resíduos sólidos urbanos foram a escolha de 26%, seguindo-se 24% para as culturas não alimentares do género da jatrofa e da relva sazonal”. Embora numa fase inicial de desenvolvimento, as algas foram 21% das escolhas. Damian Carrington acrescenta que

os materiais celulósicos foram considerados os mais promissores por 16% dos inquiridos, em especial por Christian Morgen, estou em crer, o diretor geral da fábrica da Inbicon na Dinamarca, atualmente a maior do mundo. Contou-me que esta fábrica transforma palhas de trigo em etanol que depois se mistura com gasolina e está agora a ser vendido em 100 bombas de gasolina, juntamente com um granulado que substitui o carvão nas centrais elétricas e com um melaço que é transformado em gás por fermentação anaeróbica, um material que, de outra forma, teria servido de forragem para cavalos.

Analistas industriais preveem que os biocombustíveis vão registar um crescimento geral de 25%, em relação a todos os outros combustíveis, até 2030, e Damian Carrington nota que o recorde do preço do petróleo é “uma razão compreensível para o otimismo”.

O aumento do preço do petróleo poderia perfeitamente dar azo a um aumento exponencial dos biocombustíveis e, sem subsídios, as novas tecnologias são geralmente obrigadas a restabelecer-se.’

 

 

 

Fonte: Presseurop

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