Como ensinar o que não se conhece?

Existem aqueles temas que nunca saem de moda, principalmente os que causam um certo incômodo social. Um exemplo clássico é a abordagem do preconceito relacionado aos negros. Ao ser discutido, é raro um grupo chegar a uma harmonia. Mais raro ainda é encontrar pessoas que têm alguma base para argumentar sobre o assunto.

 Fonte: Gosto de Ler

Na maioria das vezes em que me encontro presente em uma discussão sobre algum tema que relacione os negros, como as polêmicas cotas nas universidades públicas, por exemplo, a maior parte das pessoas afirma que apenas pensar em se criar um mecanismo que beneficie essa parcela da população já demonstra o preconceito propriamente dito. E não adianta querer argumentar e tentar expor um pouco da trajetória histórico-político-econômico-social dos afro-descendentes, pois a opinião rápida e fácil prevalece, mantendo aquela mente pobre e fechada de sempre.

Não que seja uma questão de certo ou errado, mas é evidente que essa análise generalizada e desprovida de reflexão só demonstra o quanto a educação do nosso país é medíocre. Aliás, o País inteiro é hipócrita, justamente por repetir o tempo todo que educação é prioridade número um. Sei… O fato é que o povo brasileiro não tem base alguma para argumentar sobre essa questão do preconceito, até porque ele mesmo sofre com isso, seja ativa ou passivamente.

Uma solução para parte desse problema seria inserir o tema na sala de aula. E o que o governo tem feito com relação a isso? Bom, o Governo Federal promulgou uma legislação que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana em todas as escolas públicas e privadas de Ensino Médio do país. É a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, mas que parece estar somente no papel, salvo raras exceções, como é o caso de trabalhos pontuais de algumas escolas da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Norte, mas que muitos sequer avançaram.

Em setembro do ano passado, a legislação determinou um prazo de um ano para que todas as escolas insiram em seus currículos a tal disciplina. Estamos em abril e até agora não ouvi rumores sobre alguma atitude nesse sentido. Você vai achar estranho, caro leitor, mas eu acho ótimo que estejamos nesta situação. E eu responderei com uma pergunta: Como ensinar o que não se conhece?

Embora a Lei tenha um propósito positivo, a temática pode ser ainda mais negativa caso os professores não estejam preparados para tal. O grande problema é que a escravidão sempre foi abordada de uma maneira negativa, impedindo que os próprios alunos afro-descendentes se vejam positivamente, seja na formação de sua herança ou da história do Brasil.

Além disso, a ausência da história da África é uma das maiores lacunas no sistema educacional brasileiro, o que impossibilita aos afro-descendentes construir uma identidade positiva sobre as suas origens. Ao mesmo tempo, abre espaço para hipóteses sem fundamentação teórica geradora de preconceito sobre as origens dos afro-descendentes, permitindo reprodução e difusão de concepções racistas sobre as origens da população negra.

Alternativa

Uma atitude louvável e pioneira partiu do nosso Estado. E mais, partiu do governo, de dentro da Secretaria Estadual de Educação. Um grupo de profissionais das áreas das Ciências Humanas e Linguagem que atuam na Subcoordenadoria do Ensino Médio propôs uma capacitação na tentativa de trazer à tona a verdadeira história e cultura afro-brasileira e africana, além de mostrar aos professores a importância de abordar em sala de aula a questão da identidade negra.

Foram reunidos representantes de todas as escolas do Estado com a pretensão de articular propostas que viabilizem ações políticas e pedagógicas da referida legislação, o que resultou em uma produção didática acerca dessa temática. Segundo os membros do grupo, este documento será (ou já está sendo, quem sabe) o grande elo de comunicação entre professor e aluno.

É ver para crer. Se esse trabalho realmente funcionar, nem que seja em uma única escola, vai ser um grande diferencial para a mudança de postura desses alunos afro-descendentes, que vão passar a se enxergar de uma maneira melhor. Diferencial para os professores também, que, ao trabalharem seus conteúdos, passarão a valorizar essa identidade negra e, com isso, levar uma posição mais crítica para a sala de aula.

Como complemento do que abordei acima, eis uma matéria de minha autoria publicada no DN Educação/Diário de Natal “A escravidão negra no RN”, de setembro de 2006.

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“A escola brasileira não está preparada para trabalhar com as diferenças”

 

A afirmação é da professora Wilma Coelho, autora da tese de Doutorado que defende justamente a condição inferior que os alunos negros são relegados em sala de aula. Produzido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o trabalho, agora publicado em livro, sob o título de “A cor ausente”, versa sobre a formação de professores para o trato da questão racial oferecida pelo Instituto de Educação do Estado do Pará, nas décadas de 1970 e 1980.

De acordo com Wilma, os problemas do racismo no Brasil são resultados da falta de estrutura social e cultural, do desconhecimento, por parte dos professores, da história dos negros e seus descendentes, reforçada por livros didáticos mal formulados. “Na escola ainda se reproduz a idéia do senso comum de que vivemos num paraíso racial, o desdobramento desse discurso, é a reprodução de preconceito”.

Dessa forma, disse, tanto os professores da rede pública quanto os da privada não estão preparados para lidar com esta questão em sala de aula. “Primeiro porque a questão racial não fazia parte do conteúdo obrigatório dos currículos de formação de professores. A ausência da disciplina História da África, na maioria dos cursos de licenciatura em História, no Brasil, indica também uma limitação na raiz do problema”, explicou.

Sobre a Lei 10.639/2003, Wilma acredita que ainda existem lacunas a serem preenchidas. “Mesmo assim, é a única forma de se discutir o problema, sendo um dos caminhos para se debater questões como as cotas para as minorias nas universidades públicas”. Já em relação aos livros didáticos, a professora analisa que, em muitos casos, o negro e o índio ainda aparecem de modo desumanizado e desprovido de referência familiar.

“O nocivo disso é que livros didáticos se constituem uma obra didática e, em geral, professores da Educação Básica tendem a sacralizar esse instrumento pedagógico, muitas vezes, sem a acuidade necessária, pois esse livro didático se constitui como parte importante da construção da identidade da criança”.

Por outro lado, disse, isso pode desencadear na criança negra uma autonegação e baixa auto-estima. Em conseqüência, também a criança branca percebe que tem um diferencial na escola e na sociedade, e poderá também reproduzir esses procedimentos. “A criança negra que recebe esse ensinamento fixa a idéia de que está no lugar da miséria, no lugar da feiúra, no lugar da preguiça, que só serve o futebol, e a escola tende a reforçar essas práticas discriminatórias que estão presentes na sociedade”, concluiu.

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