Como saber se sofri abuso durante consulta médica

Enviado por / FonteBBC, por Julia Braun

A Polícia Civil de Maringá, no norte do Paraná, identificou 41 mulheres suspeitas de terem sido abusadas pelo ginecologista e obstetra Felipe Sá, que está preso desde 15 de junho. Segundo a polícia, o médico é investigado por violação sexual mediante fraude, importunação sexual e estupro de vulnerável contra pacientes.

A BBC Brasil procurou a defesa do ginecologista para posicionamento, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Casos como esse não são exceção no país. Nos últimos anos, diversos profissionais, de diferentes especialidades, foram presos ou tiveram seus registros médicos cassados após denúncias semelhantes.

Ao falarem sobre os abusos sofridos, muitas das vítimas de violência sexual médica admitem que duvidaram de suas suspeitas inicialmente. E especialistas afirmam que diversas outras sequer denunciam a violência, por medo ou vergonha.

“Eu nunca tinha visto na minha vida alguém questionar o que um médico falava”, afirmou à BBC Brasil Nina Marqueti, que após sofrer abusos de um gastroenterologista aos 16 anos ficou quase uma década em silêncio sobre o ocorrido.

“A gente sente o desconforto, percebe que tem alguma coisa errada, mas está em uma situação muito vulnerável, em que não sabe qual o procedimento”, contou Marqueti, que se tornou porta-voz de uma campanha para notificar a violência contra a mulher cometida em consultórios.

Mas como saber se o especialista passou do limite ético durante uma consulta ou exame? A BBC Brasil consultou especialistas na área médica para ajudar pacientes a identificar possíveis casos de assédio ou abuso sexual.

Consentimento e informação

Juliana Giordano, da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, explica que um dos pontos centrais para que as pessoas se sintam confortáveis durante exames físicos, especialmente os ginecológicos, é a comunicação entre médico e paciente.

“Os médicos precisam informar antes do exame ou do procedimento o que vai acontecer, quais instrumentos serão usados, quais partes do corpo serão tocadas e também o porquê da realização daquilo”, diz.

“Vai fazer palpação das mamas? Explique o procedimento. Vai sugerir um papanicolau? Explique como funciona em detalhes, caso a pessoa não conheça o exame, e esclareça o porquê você o está indicando”, diz.

A ginecologista e obstetra destaca ainda a importância do consentimento. Segundo ela, os médicos deveriam sempre pedir licença ou permissão para examinar os pacientes, mesmo que a pessoa pareça confortável.

“E isso vale para qualquer exame de toque, seja ausculta do coração ou do pulmão, exame de toque de tireoide ou abdômen”, afirma.

Além disso, sempre que acharem necessário, os pacientes devem fazer perguntas e questionamentos sobre o que está acontecendo.

“Fazer perguntas, entender o porquê daquele toque, é uma forma de se proteger”, diz. “Se o profissional começar a apresentar sinais de desconforto em responder não é bom sinal. Ele pode não necessariamente ser um abusador, mas não está seguindo as regras de consentimento e respeitando a relação medico paciente.”

Nesses casos, segundo a médica, é direito do paciente interromper a consulta ou exame imediatamente.

Maria Celeste Osorio Wender, diretora de defesa e valorização profissional da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), afirma ainda que é dever do especialista permitir a presença de um acompanhante na sala, sempre que o paciente desejar.

“Muitos ginecologistas já adotam como rotina manter a presença de uma enfermeira ou secretária na sala durante a realização de exames físicos, mas não é uma prática obrigatória”, explica. “Mas se a paciente solicita que seu acompanhante fique na sala, o médico tem que permitir.”

Os pacientes que desejarem usar um espelho para acompanhar o exame ginecológico ou se sentirem mais confortáveis com a maca um pouco mais inclinada, de forma que consigam enxergar o médico, também podem solicitar a qualquer momento.

Toques fora do padrão

Wender afirma que também é importante manter a atenção aos toques que fogem do padrão do procedimento médico.

“O toque ginecológico faz parte do exame de rotina e tem como objetivo determinar o volume e posição do útero ou se tem alguma massa. Ou seja, não há necessidade de toques repetidos no clítoris ou pequenos lábios, por exemplo”, diz.

Segundo a especialista, o exame de palpação das mamas é padrão e importante, mas deve ser feito com respeito e diante da autorização do paciente.

Quando se trata da medicina diagnóstica, Maria Celeste Wender explica que os toques são menos frequentes. Exames de papanicolau, ultrassom transvaginal ou de mamas e mamografia, por exemplo, geralmente não envolvem palpação ou introdução dos dedos.

Ela afirma ainda que, com raras exceções, exames ginecológicos são realizados por especialistas da área, médicos da família e generalistas – e nos últimos dois casos, quando a paciente marca uma revisão ginecológica ou atendimento pré-natal. Da mesma forma, exames de toque retal são normalmente exclusividades do coloproctologista.

De acordo com as especialistas, a linguagem fora do padrão também pode causar desconforto. “O profissional deve usar linguajar adequado, sem infantilizar ou usar jargões médicos desnecessários’, diz Juliana Giordano.

‘Confie na sua intuição’

Por fim, Juliana Giordano afirma que o maior conselho para auxiliar na identificação de casos de abuso é confiar na intuição.

“Confie na sua percepção e não se force a fazer um exame. Se você não estiver se sentindo à vontade, não gostar do profissional ou algo soar um alerta em sua cabeça, não se exponha”, diz.

A médica afirma ainda que os pacientes não devem ter medo ou vergonha de se posicionar. “A mulher precisa entender que a qualquer momento ela pode parar a consulta. É um direito básico de não violação do corpo dela”.

“Devemos confiar em nossa análise subjetiva, assim como em qualquer tipo de assédio. Se existe o incômodo, ele tem que ser validado”, afirma a médica integrante da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras

“Disso para uma prova de que realmente houve um assédio existe um caminho longo, infelizmente”, diz. “Mas não por isso a mulher não deve se proteger.”

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