O acerto entre Cristóvão Borges e Corinthians engloba ao menos uma questão que vai muito além das quatro linhas: a (des)igualdade racial no futebol. Pela primeira vez em 24 anos, “o clube mais brasileiro” volta a ser comandado por um técnico negro.
POR LUCAS FARALDO, do Meu Timão
Em 1991, Cilinho teve breve passagem como treinador do Timão, sem obter o mesmo sucesso que teve à frente do São Paulo com os chamados “Menudos do Morumbi”. No ano seguinte, Basílio, também negro, teve breve passagem como técnico no Parque São Jorge. De lá para cá, 28 técnicos assumiram a equipe profissional de futebol do Corinthians. Todos brancos.
Cilinho foi técnico do Timão no início da década de 90 (Foto: Divulgação)
Na visão de Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, a contratação de um técnico negro por parte de um clube do tamanho do Corinthians tem influência direta na visão social da juventude brasileira. A lógica é simples: crianças negras que se acostumaram a ver brancos nos cargos mais altos do futebol terão oportunidade, a partir de agora, de se espelhar em “Cristóvãos” da vida.
“Infelizmente, mesmo sendo o clube da democracia, o Corinthians ainda não conseguiu refletir isso na participação de negros. A questão de um técnico negro, assim como dirigente ou presidente, é o empoderamento. Isso é um exemplo que as crianças vão ver e vão saber que na realidade nada impede de elas chegarem aos lugares mais altos que elas sonham”, disse, em entrevista ao Meu Timão.
“Um treinador negro num grande clube brasileiro é mostrar para os jovens que eles podem atingir um patamar além de jogador. Hoje temos o Roger no Grêmio que mostra isso, que pode ser um bom treinador independente da cor dele. Quem sabe o Cristóvão fazer um bom trabalho no Corinthians também sirva de referência”, completou.
Cristóvão foi anunciado pelo Corinthians neste domingo (Foto: Divulgação)
O problema não se limita ao Corinthians. O Campeonato Brasileiro da Série A de 2016 se iniciou com apenas dois treinadores negros entre as 20 equipes do torneio: Roger Machado e Givanildo. Este último já foi demitido do América-MG. Apenas o técnico do Grêmio, portanto, se mantém como comandante negro de uma equipe de elite do futebol nacional. A partir deste domingo, ganha a companhia de Cristóvão Borges, que será apresentado pelo Timão nesta segunda-feira.
“No Brasil temos o racismo institucional. Temos negros trabalhando na parte de baixo da pirâmide. Mas poucos chegam à parte de cima, aos cargos de chefia. O futebol reflete isso, temos poucos negros como treinadores, dirigentes, conselheiros e presidentes. É bem esse o reflexo da situação social no futebol”, comenta Carvalho.
Em outros lugares do mundo, a temática também é debatida. Na Europa, um levantamento de 2014 apontou apenas dois negros como técnicos entre os 92 clubes das quatro principais divisões de futebol da Inglaterra. A Associação dos Jogadores Profissionais do país passou a cogitar a criação de uma espécie de sistema de cotas na contratação de treinadores.
Tal cenário não é utópico. Inclusive existe em uma das maiores ligas esportivas do mundo: a NFL, nos Estados Unidos. A liga profissional de futebol americano, por meio da “Regra Rooney” possibilita a minorias étnicas a representação no processo de entrevista para a posição de treinador de uma equipe.
“É algo que precisa ser debatido. Não é falta de capacidade das pessoas. Será que não existe mesmo uma porta fechada?”, finaliza Carvalho.
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