Cotas raciais aceleram a inclusão. Mas empresas precisam fazer sua parte.

Por Jorge Abrahão,presidente do Instituto Ethos

 

STF considera constitucional o sistema de cotas nas universidades. Empresas poderiam adotá-lo para cooperar no combate à desigualdade.

Em decisão histórica e unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional o sistema de cotas que universidades federais vêm adotando nos últimos anos.

O STF julgava o caso das cotas da Universidade de Brasília (UnB), que vem reservando 20% delas para negros e índios desde 2004. Foi a primeira universidade federal a instituir essa política afirmativa como forma de garantir assento em seus cursos a essas parcelas historicamente excluídas da população brasileira. Outras copiaram o exemplo e, hoje, 40% delas possuem cotas para negros e índios.

Dez dos onze ministros do STF votaram contra a ação de constitucionalidade do Democratas (DEM) e a favor das cotas. O ministro Antônio Dias Toffoli, que seria o 11º. voto, declarou-se impedido de se pronunciar, pois, quando era advogado-geral da União, posicionou-se a favor da reserva de vagas.

Mesmo avalizada pelo STF, a política de cotas nas universidades ainda causa polêmica, principalmente porque não são poucos os que perguntam se ela vai resolver o problema da exclusão.

Sozinha, não. Mas, acompanhada de políticas públicas que vêm diminuindo a miséria, de aumento na oferta de oportunidades nas empresas e de investimentos na educação pública de qualidade, a reserva de vagas pode sim contribuir para tornar o Brasil menos desigual no que diz respeito ao acesso à universidade pública.

E será que a simples oferta de mais profissionais negros e índios com diploma universitário garante lugar no mercado de trabalho? Entendemos que isso não é o bastante. Para absorver esses profissionais, as empresas podem adotar políticas de inclusão, ou ações afirmativas, como já é feito em relação à questão de gênero.

O que é uma política (ou ação) afirmativa?

É uma medida especial e temporária, voluntária ou compulsória, que visa eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento. Visa também compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado. Elas nasceram na década de 1960 nos EUA, como forma de promover a igualdade entre brancos e negros. No entendimento de muitos juristas, inclusive dos ministros do STF, numa sociedade crivada por diferenças, as ações afirmativas garantem a igualdade material, definida pela frase “tratar desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade”.

No Brasil, as políticas afirmativas entraram com mais força na pauta da sociedade civil a partir dos anos 1990. As políticas de cotas começaram, então, a ser adotadas, mas ganharam maior amplitude a partir do governo Lula. Nem todas são regulamentadas por lei. As cotas raciais, objeto da decisão do STF, por exemplo. As universidades federais resolveram adotá-las voluntariamente, pois não há nenhuma lei no país que trate de reserva de vagas para negros.

No caso de gênero, outro campo de atuação das políticas afirmativas, existe uma lei que obriga os partidos políticos a destinar às mulheres 30% de suas vagas a cargos eletivos, nos âmbitos municipal, estadual e federal. A Constituição brasileira também garante reserva de vagas em todos os concursos públicos para portadores de deficiência. Tanto a cota para mulheres nos partidos políticos quanto a de deficientes em concursos públicos não mereceram contestação. Ao contrário, foram saudadas justamente como formas ampliar a participação da mulher na política e do deficiente no mercado de trabalho. Por que tanta polêmica quando se tenta direcionar a ação para os negros?

Como funcionam as cotas nas universidades

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a cota racial não está regulamentada em lei e, portanto, não é compulsória. A universidade adota se quiser.

Para ingressar na UnB pelo Sistema de Cotas para Negros, o candidato deverá ser negro, de cor preta ou parda (mestiço de negro com branco, índio etc.) e optar pelo sistema. O interessado deve obter, no mínimo:

• Nota maior que zero em prova de língua estrangeira;

• 10% da nota na prova de Linguagens e Códigos e Ciências Sociais;

• 10% da nota na prova de Ciências da Natureza e Matemática;

• 20% da nota no conjunto das provas.

Quinze dias após a aplicação das provas, os candidatos serão chamados para uma entrevista individual, em quantidade de até duas vezes o número de vagas oferecidas por curso. É necessário apresentar documento original de identidade.

Depois da entrevista, o pedido de inscrição no sistema de cotas será analisado por uma banca composta por docentes, representantes de órgão de direitos humanos e de promoção da igualdade racial e militantes do movimento negro de Brasília. O grupo decidirá pela homologação ou não do cadastro do candidato cotista. Quem já tiver a inscrição de cotista homologada em vestibulares anteriores não precisa comparecer novamente à entrevista.

Caso seja verificada falsidade nas declarações ou irregularidade nas provas ou nos documentos apresentados, a inscrição, as provas e o registro do candidato poderão ser anulados a qualquer tempo. Outras universidades que adotam cotas seguem esse mesmo modelo.

Em 2014, a UnB vai analisar os impactos dessa ação e decidir se continua, se modifica esse sistema ou se o encerra, caso verifique a inclusão do negro não depender mais de política compensatória. Hoje, essa universidade tem 3.500 alunos cotistas num total de 31 mil alunos.

A empresa tem uma grande contribuição a dar

O objetivo maior dessas políticas compensatórias é promover, num espaço de tempo relativamente curto, o acesso de uma expressiva parcela de brasileiros à educação superior de qualidade e gratuita. Com diploma na mão e boa formação profissional, os negros podem almejar bons cargos nas maiores empresas do país. Será que é só participar dos processos de seleção ou as empresas precisarão também pensar em ações afirmativas para negros?

Vamos ver o que ocorre com as mulheres: de acordo com o Censo 2010, do IBGE, elas possuem mais anos de educação do que os homens e têm a mesma representatividade percentual na população economicamente ativa do país –pouco mais de 40%. No entanto, ainda são minoria nas empresas, em todos os níveis hierárquicos, conforme vem apontando a série de pesquisas do Instituto Ethos Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas. De acordo com a edição de 2010, as mulheres ocupam 33,1% do quadro funcional das empresas, 26,8% dos cargos de supervisão, 22,1% dos de gerência e 13,7% dos cargos executivos.

Em algumas empresas, a situação está mudando, porque foi decidido que a promoção e o empoderamento da mulher são estratégicos e prioritários para o negócio.

A mesma edição da pesquisa mostra que a situação dos negros nas 500 maiores empresas do país é pior do que a das mulheres. Eles são 31,1% do quadro funcional, 25,6% dos supervisores, 13,2% dos gerentes e 5,3% dos executivos.

Entre 2001, data da primeira pesquisa, e 2010, as mulheres tiveram uma evolução bem maior que a dos negros. No entanto, não se tem notícia de políticas ou ações voltadas para a melhoria da participação dos negros em todos os níveis hierárquicos dessas empresas.

Como já foi dito, as ações afirmativas são temporárias e quanto antes terminarem, melhor. É preciso igualar os direitos de brancos e negros para que o Brasil seja de fato um país democrático. E as empresas precisam fazer a sua parte.

 

 

 

Fonte: Ethos

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