Não queria ter que escrever esta coluna: falar sobre crianças mortas pelo Estado não é algo que se queira fazer em sã consciência, mas de sanidade há quase nada na barbárie em que nos metemos. Entre 2017 e 2019, as polícias brasileiras mataram ao menos 2.215 crianças e adolescentes (0-19 anos). Só em 2023, no Rio de Janeiro, já foram 9 casos.
“Se tiverem que escolher entre uma abstração como direitos humanos e o sentimento de segurança, poucas pessoas terão dúvida”, escreveu meu colega Joel Pinheiro nesta Folha. De um lado, ignora-se que segurança é um direito humano. De outro, desconsideram-se bibliotecas inteiras já escritas sobre como promover políticas de segurança que respeitem direitos. Precisamos tomar cuidado com a leviandade das nossas palavras em exercícios teóricos, porque é com o sangue de vidas reais que nossas palavras são feitas.
Julho, em particular, tem sido um mês tomado por execução de crianças. Para Thiago Menezes Flausino, a bala que atravessou seu corpo de 13 anos na Cidade de Deus, na última segunda-feira (7), não era uma abstração. Para Adjalmira Azevedo, segurança significou ver a morte de seu filho de 11 anos enquanto caminhava para a escola em Maricá (RJ), no dia 12 de julho. Para Gabriel Silva da Conceição Júnior, abstração alguma houve no disparo contra seu pescoço enquanto brincava na porta de casa na Bahia, em 23 de julho.
Violência não se dá tão somente pela morte física. Há a morte lenta. O relatório “Saúde na Linha do Tiro”, publicado nesta quarta (9) pelo Cesec, aponta que 59,5% dos moradores de locais sujeitos a tiroteios já viram unidades de saúde serem fechadas por conta da violência. Há a morte simbólica. Criminalizar um menino de 13 anos em postagem oficial, como fez a PM do Rio, ou o governador da Bahia posar ao lado de viaturas depois de 31 mortes pela polícia são escárnios que matam.
A esperança da criança —em especial preta e periférica— é permanecer viva. É pouco, e nem isso estamos fazendo.