Dilma combaterá o genocídio da Juventude Negra? Por Douglas Belchior

“(..) era finados, eu parei em frente ao São Luiz, do outro lado,
e durante uma meia hora olhei um por um
e o que todas as senhoras tinham em comum:

a roupa humilde, a pele escura, o rosto abatido pela vida dura,
colocando flores sobre a sepultura
podia ser a minha mãe, que loucura…”
Racionais – Fórmula Mágica da Paz

Por Douglas Belchior

Na última segunda-feira, dia 5 de agosto, a presidenta Dilma sancionou o Estatuto da Juventude. Na prática, essa Lei compila direitos dos jovens com idade entre 15 e 29 anos e reafirma os direitos já previstos nas áreas da educação, cultura, saúde e trabalho.

A aprovação do Estatuto é simbólica na medida em que há o reconhecimento por parte do Estado de que a juventude precisa de um olhar mais específico e cuidadoso. Mas o conteúdo do documento traz também controvérsias, sobretudo em relação ao direito a meia-entrada e ao desconto em ônibus intermunicipais – vetado por Dilma – temas que refleti em outro texto.

O que me trouxe ao teclado foi a intervenção do rapper GOG e do ator Érico Brás, em rápida participação, e a entrega de umacarta assinada por mais de 80 artistas, onde fora exigido o fim do genocídio da juventude negra; e a reação – se combinada ou espontânea, não sei – da presidenta.

Sem saída, Dilma quebrou o silêncio sepulcral dos chefes de Estado sobre a barbárie que vivemos no Brasil: “Eu considero que essa talvez seja a questão mais grave que a juventude brasileira passa, porque ela mostra um lado com que não podemos conviver pacificamente, que é o da violência contra a juventude negra e pobre” disse ela. E completou: “Não sou uma pessoa que deixei os meus compromissos democráticos quando assumi a presidência. Por isso, uma das coisas que eu considero mais graves no Brasil hoje é a violência contra a juventude. É o lado mais perverso”.

Muito bem! No décimo ano de governo de seu partido, é certo que não se trata da primeira vez que a presidenta tenha ouvido dizer que dezenas de jovens negros são assassinados todos os dias no Brasil. Acredito que Dilma saiba que grande parte desses homicídios são promovidos pelas polícias e grupos de extermínio compostos por policiais.

Tampouco é novidade os números arrasadores que demonstram a “afrocarnificina” crescente, que desgraçadamente atingiram índices de guerra. O Mapa da Violência 2013 denunciou que entre 2002 e 2010, dos 467,7 mil homicídios contabilizados, 65,8% foram de pessoas negras. Enquanto o índice de brancos assassinados diminuiu 26,4%, o de negros aumentou 30,6%.

Nessa conta, não constam os números relativos aos 130 mil homicídios dos últimos 15 anos, que não foram oficialmente contabilizados, agora divulgados pelo Ipea, o que eleva o índice de mortes à estratosfera.

A solidariedade e a comoção empregada aos jovens de classe média e alta em seus momentos de dor, seja em tragédias de boates ou em protestos de asfalto, contrastam com a irrelevância do funkeiro assassinado em pleno palco ou da chacina nossa de cada de cada dia, na porta do bar ou na esquina de casa.

O assassino não pergunta ao pretinho se é assistido pelo bolsa família; se está matriculado no curso técnico; se frequenta o projeto social da Ong do bairro; se foi cabo eleitoral do deputado eleito pelo distrito; se está inscrito para a prova do Enem; ou se já marcou a entrevista no balcão de empregos da central sindical.

Levar políticas públicas para os “territórios de vulnerabilidade”, como propõe o programa Juventude Viva – que tem a missão diminuir o número de mortes entre jovens negros, é importante e necessário, mas insuficiente. Seria como alimentar o refém para que aguente a próxima sessão de tortura.

Se a presidenta quer combater o genocídio da juventude negra como disse, precisa ouvir a ONU e aAnistia Internacional e dar fim à Polícia Militar. Precisa desconstruir sua política homicida de segurança pública que tem nas UPP’s seu modelo padrão e como resultado o aumento do desaparecimento de civis. Aliás, Dilma (e seu aliado Cabral), cadê o Amarildo?

Faça Dilma! Guarde coerência entre o discurso e a prática ao menos em relação à população negra e terá nosso apoio! Ouça os grupos que tem insistentemente denunciando o genocídio da população negra nos vários estados brasileiros, como o Reaja na Bahia, o Fórum Estadual da Juventude Negra (Fejunes) do Espírito Santo, oComitê de Luta Contra o Genocídio, que há anos construímos em São Paulo, e movimentos comoMNU, UNEafro-Brasil, Círculo Palmarino, Mães de Maio, entre tantos outros. Ouça e faça! Vocês governantes de hoje e elites históricas desse país nos devem muito mais do que podem pagar!

Outros documentos importantes:

Comitê de Luta Contra o Genocídio ocupa Secretaria de Justiça em SP: FOTOS – VÍDEO

Mapa da Violência 2013 – Juventude

Mapa da Violência 2013 – Armas de Fogo

Carta do Comitê ao Governo do Estado de SP em 22 de Novembro de 2012

Carta do Comitê ao Governo do Estado em 19 de Março de 2013

Site do Reaja ou Seja Morto, Reaja ou Seja Morta

Site da UNEafro-Brasil

Site do Círculo Palmarino

 

 

Fonte: Geledés

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