É espantoso que os interessados em assumir a gestão municipal não tenham os direitos humanos como prioridade da agenda
Por Flávia Oliveira, do O Globo
A corrida eleitoral entra na semana derradeira com um episódio que, por não realizado, diz muito sobre como o mundo político brasileiro ignora o necessário (e moderno) debate sobre inclusão de minorias — se não numéricas, certamente de representação político-econômica. Explico. A Ação da Cidadania — movimento formatado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, aquele que na primeira metade dos anos 1990 apresentou ao país a agenda de combate à fome e à miséria — convidou dez candidatos a prefeito do Rio para um debate sobre direitos humanos, na última quarta-feira. Por falta de quórum, o evento acabou cancelado.
Marcelo Crivella (PRB), líder nas pesquisas de intenção de votos, recusou de cara, assim como Flávio Bolsonaro (PSC) e Carmen Migueles (Novo). Pedro Paulo Carvalho (PMDB) não respondeu. O tucano Carlos Osorio indicou a candidata a vice, Aspásia Camargo (PV). Jandira Feghali (PCdoB) e Marcelo Freixo (PSOL) confirmaram presença, mas desmarcaram às vésperas do debate. Comprometidos do início ao fim, só ficaram Alessandro Molon (Rede), Cyro Garcia (PSTU) e Índio da Costa (DEM).
Na cidade tão maravilhosa quanto partida, é espantoso que os interessados em assumir a gestão municipal não tenham os direitos humanos como prioridade da agenda. A desigualdade moldou a capital. O preconceito contra negros e LGBTs sobrevive, a misoginia resiste, a intolerância religiosa é crescente. A área reservada para o debate comportaria até duas mil pessoas, entre representantes do movimento social, ativistas e eleitores. Quatro especialistas ajudaram a formular as indagações sobre gênero, LGBTfobia, juventude, racismo. O público escolheria quais das 20 questões seriam respondidas pelos candidatos.
Como debate não houve, ficamos sem saber se há diversidade nas equipes de campanha e programa de governo ou quantos negros, mulheres e homossexuais integrarão o secretariado. Tampouco se a legislação que determina o ensino de história e cultura afrobrasileira e indígena será finalmente cumprida na rede municipal. Pouco soubemos sobre propostas de políticas públicas de combate à violência de gênero ou de equidade no mercado de trabalho; nem como o futuro prefeito vai se posicionar em relação aos homicídios de jovens, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros.
No Rio de Janeiro de 2016, a agenda de direitos humanos foi secundarizada pelos candidatos a prefeito. Perdeu por W.O. É o avesso do conceito de cidade inclusiva, desenvolvida, sustentável. Mau sinal.