Documentário inspirado nas ideias de Fanon

por martalanca

Concerning Violence é um documentário “em nove cenas sobre a autodefesa contra o imperialismo”. Usa filmagens feitas em África por equipas suecas, entre 1966 e 1984, inscrevendo frases da obra mais conhecida do Frantz Fanon, Os Condenados da Terra, o livro que o psiquiatra martiniquês escreveu em 10 dias, já perto da morte,depois do golpe dos generais e da repressão sangrente de 17 de Outubro de 1961, em Paris, opondo a polícia francesa aos manifestantes argelinos.

O filme traz à tona a crueldade do colonialismo em África, repensando as complexidades e efeitos devastadores deixados aos povos colonizados.

Frantz Fanon nasceu na ilha caribenha da Martinica em 1925, e cresceu no império francês. Quando veio da ilha da Martinica para a metrópole França na Europa, compreendeu, através do envolvimento no exército frances por todo o lado, que esta classe privilegiada sobre o seu povo negro não queria dizer nada no país dos principais colonizadores – ele não era nada senão um homem negro. Num famoso capítulo no seu livro Peles Negras, Máscaras Brancas (rejeitado como dissertação por uma universidade francesa), menciona o seu choque quando uma criança francesa grita à sua mãe – “Mamã, olha um preto”. Mas Fanon passa deste choque para uma tentativa de compreender a colonização por todo o mundo.

We can do anything today provided we do not ape Europe, provided we are not obsessed with catching up with Europe. Europe has gained such a mad and reckless momentum that it has lost control and reason and is heading at dizzying speed towards the brink from which we would be advised to remove ourselves as quickly as possible.

(…)
If we want to turn Africa into a new Europe, let us leave the destiny of our countries to Europeans. They will know how to do it better than the most gifted among us. But if we want humanity to advance a step further, if we want to bring it up to a different level than that which Europe has shown, then we must invent and we must make discoveries. For Europe, for ourselves, and for humanity, comrades, we must turn over a new leaf, we must work out new concepts, and try to set afoot a new human being.

Lauryn Hill é a narradora do filme. O autor do filme lembrou-se de convidar a cantora americana que, na altura, estava presa por problemas fiscais. Sabia que era leitora de Fanon.

Göran Olsson tinha já realizado The Black Power Mixtape, em 2011, sobre a evolução do movimento Black Power nos EUA entre 1967 e 1975 que já era um filme de arquivos. Concerning Violence, apresentado no último festival Sundance e na Berlinale em Fevereiro.

Revemos os movimentos de libertação de Angola e Moçambique, a luta da independência da Tanzânia, imagens de missionários suecos misturados com cenas da vida quotidiana filmadas em África entre 1966 e 1984.

Olsson explicava ao Libération: «O texto [de Fanon] é muito revelador sobre aquilo que se passa hoje em dia. não se trata dos mesmos países nem dos seus exércitos, mas de multinacionais que exploram as matérias-primas. No Ocidente, vivemos numa mentira total: nunca tentamos compreender onde são fabricados os nossos telefones ou as nossas tshirts. Fiz um filme enquanto europeu do Norte dirigido, principalmente, a outros europeus do norte e para tentar compreender este mecanismo.» Olsson constata que, mais de cinquenta anos depois da descolonização, África deve sempre fazer face aos mesmos efeitos nefastos e à violência que Ganon denunciava nessa altura: «Temos regras sobre o comércio: por exemplo, penso que o importante que um sociedade mineira sueco possa estabelece no Congo se quiser […]. A livre-troca de bens e serviços é primordial. Mais, nos factos, ninguém podo passar as margens do Mediterrâneo para ir do Sul em direcção ao Norte, lá viver e lá trabalhar. Se estamos no livre-mercado, deve-se poder implantar minas no Congo e os congoleses devem poder, também eles, ficar em Estocolmo e abrir uma mercearia.»

Enraivecido pelo racismo que ele testemunhou na Martinica durante a Segunda Guerra Mundial, Fanon examina o papel de classe, cultura e violência e expressa a sua profunda alienação desde a ideia de colonialismo e a sua sangria.

 

Leia Também:

20 de julho de 1925 nascia Frantz Fanon

Racismo e cultura: a leitura psicanalítica e política de Frantz Fanon

Racismo e Dominação Psíquica em Frantz Fanon

Fonte: Buala

+ sobre o tema

Pós-colonial: a ruptura com a história única

Resumo: O objetivo desse artigo é responder a pergunta:...

Esvaziamento de Conselho da Criança expõe jovens às chibatadas modernas

A tortura sempre esteve presente na cultura brasileira. É...

Anúncio de ‘branqueador’ sai do ar após críticas de racismo na Tailândia

Vídeo mostra popular atriz que destaca importância de manter...

para lembrar

Escola Paulista da Magistratura: Seminário “Infância, Juventude e Racismo

EDITAL A ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA em parceria com...

“O grande medo dos alunos era o caveirão”

Como a lógica de guerra operada pelo Estado...

Camila Pitanga diz que o racismo no Brasil ainda é velado

Aos 32 anos, Camila Pitanga está rindo à toa....

Vereadora alvo de ofensa racista: ‘Disseram que era liberdade de expressão’

Em entrevista ao UOL News, a vereadora Paolla Miguel (PT-SP)...
spot_imgspot_img

Relatório da Anistia Internacional mostra violência policial no mundo

Violência policial, dificuldade da população em acessar direitos básicos, demora na demarcação de terras indígenas e na titulação de territórios quilombolas são alguns dos...

Aos 45 anos, ‘Cadernos Negros’ ainda é leitura obrigatória em meio à luta literária

Acabo de ler "Cadernos Negros: Poemas Afro-Brasileiros", volume 45, edição do coletivo Quilombhoje Literatura, publicação organizada com afinco pelos escritores Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. O número 45...

CCJ do Senado aprova projeto que amplia cotas raciais para concursos

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (24), por 16 votos a 10, o projeto de lei (PL) que prorroga por dez...
-+=