Dirigido pelo franco-suíço Georges Gachot, filme vai de encontro a clichês associados à cultura brasileira
Por: Mariana Peixoto
Documentarista franco-suíço com obra dedicada à música, Georges Gachot sempre deu preferência ao clássico e ao jazz. Até que, em 1998, ele se viu arrebatado por uma apresentação de Maria Bethânia no Festival de Montreux. Alguns anos depois, aportou no Brasil, país pelo qual nunca havia se interessado, para filmar ‘Maria Bethânia: Música é perfume’ (2005). A partir desse trabalho, conheceu Nana Caymmi, que acabou rendendo novo filme, ‘Rio sonata’ (2010). Apesar das viagens constantes ao Brasil, Gachot, que mora na cidade suíça de Zurique, ainda mantinha um pé longe do samba.
Pois eis que Martinho da Vila surgiu na vida do cineasta. Não com suas próprias canções, mas devido a Noel Rosa, outro mestre do samba. Tomado pela interpretação do brasileiro para ‘Último desejo e Coisas nossas (ou São coisas nossas)’, Gachot decidiu deixar o preconceito de lado e conhecer o gênero mais popular da música brasileira. De um CD comprado de maneira descompromissada em Paris nasceu o documentário ‘O samba’, lançado esta semana no Festival do Rio, na capital fluminense.
Ao longo de uma hora e meia, Martinho conduz a história. Gachot apresenta um olhar sem vícios sobre a obra do compositor fluminense e a Vila Isabel, bairro carioca que o projetou. Lançado em janeiro no Festival de Biarritz, na França, o filme deve chegar aos cinemas brasileiros até o início de novembro.
“Em 2003, vim pela primeira vez ao Brasil. Demorou sete anos para entrar no mundo do samba”, afirma Gachot, que filmou com equipe majoritariamente estrangeira. “Quero corrigir a ideia que as pessoas têm sobre o samba fora do Brasil. Na Europa, não há respeito, ele é usado demais de forma comercial. Nas oficinas de turismo, você só encontra fotografias com mulheres de bunda de fora na praia e no carnaval. É insuportável, samba é muito mais do que isso”, lamenta.
Sapucaí
Gachot filmou em 2011 e 2012 – nesse último ano, a Escola de Samba Vila Isabel apresentou o enredo ‘Você semba lá…Que eu sambo cá! O canto livre de Angola’, que lhe deu o terceiro lugar no carnaval carioca. O documentário começa com a preparação da festa. A partir de imagens no bairro e da chegada na Sapucaí, o diretor parte para a trajetória de Martinho, da Vila Isabel e do próprio samba.
Ainda que se paute no formato convencional do gênero – depoimentos seguidos de imagens –, Gachot foge do lugar-comum e usa a música como protagonista. As canções não são meramente ilustrativas, mas atuam como narradoras. ‘Mulheres’ é interpretada por cantoras que se embelezam num salão na comunidade. ‘Festa da pitomba’ é executada por Martinho batucando numa faca, em seu sítio em Duas Barras, no interior fluminense, onde nasceu. Ao fundo, há pitombeiras. O sambista surge em Paris (gravando com a cantora Nana Mouskouri), canta em casa, grava com um time de colegas (é linda a interpretação de Ney Matogrosso para Ex-amor), vai ao campo de futebol (é vascaíno doente) e também à comunidade que abraçou na década de 1960.
A câmera de Gachot é solta, com longos planos que dão espaço para os personagens. Ainda assim, o olhar estrangeiro apresenta questões para ele inéditas, mas já conhecidas dos brasileiros. Por exemplo: fala-se da origem do samba, do preconceito sofrido por comunidades negras e da maneira como gringos veem a música em comparação com os brasileiros.
“Não gosto de saber muito sobre as pessoas antes de filmar. Não converso com elas, não marco o que quero discutir. A primeira vez que você fala com uma pessoa é mais direta, forte, espontânea. Por isso não refaço take, não repito momentos”, explica Gachot. A cena final, em que uma mulher samba sozinha ao longe, só ouvindo o som da Marquês de Sapucaí, retrata bem a maneira livre como esse franco-suíço, apaixonado pelo Brasil, vê a música produzida no país.
Fonte: UAI