Documentário aborda o apagamento da negritude de Chiquinha Gonzaga

Filme de Juliana Baraúna, que estreia nesta segunda (5/2) no canal Curta, traz novo olhar sobre o legado pioneiro da compositora, maestrina e abolicionista

A trajetória de Chiquinha Gonzaga (1847-1935) é analisada sob novo viés em documentário que estreia nesta segunda (5/2), no canal Curta!. Dirigido por Juliana Baraúna, “Chiquinha Gonzaga – Música substantivo feminino” acompanha a vida pessoal, carreira artística e atuação político-social dela, por meio de depoimentos de uma série de mulheres. 

São elas a biógrafa Edinha Diniz, autora de “Chiquinha Gonzaga – Uma história de vida” (Zahar, 2009), as pianistas Clara Sverner e Maria Teresa Madeira, a socióloga Carolina Alves, a filósofa Helena Theodoro e a regente Andréa Botelho. 

Entremeando depoimentos e imagens de época, canções de Chiquinha são apresentadas pelo Grupo Chora – Mulheres na Roda. 

O pioneirismo da compositora, musicista e maestrina (aprendemos que o termo foi cunhado para Chiquinha, pois antes dela mulheres jamais haviam regido no Brasil) sempre foi destacado. O que o documentário faz é atualizar esta leitura.

Sua criação mais popular, a marcha-rancho “Ó abre alas” (1899), é considerada a primeira canção carnavalesca brasileira. O simples verso “Ó abre alas/ que eu quero passar” pode também ser visto como chamamento a todos os brasileiros – incluindo mulheres, negros, indígenas, populações “invisíveis” naquele período.

Francisca Edviges Neves Gonzaga teve uma vida singular desde o nascimento. Filha de José Basileu Gonzaga, marechal de campo do Exército, e de Rosa Maria Neves de Lima, filha de uma ex-escravizada, nasceu fora do casamento formal. Foi a terceira filha (a primeira a vingar) do casal, que só mais tarde formalizou sua união. 

Paixão pelo piano

O documentário fala do apagamento da ascendência negra de Chiquinha, já que pouco se sabe dos registros maternos dela. Foi criada como “sinhazinha”, aprendendo línguas, bordado e música. O piano logo desperta paixão, que não diminui com o casamento, aos 16 anos, com Jacinto Ribeiro do Amaral – o Marquês, futuro Duque de Caxias, foi um dos padrinhos. 

Vieram o primeiro filho, João Gualberto, e a segunda, Maria do Patrocínio. O casamento já havia desandado, o marido via no piano um rival. Há um rompimento no navio de Jacinto, em plena Guerra do Paraguai (1864-1870). A gravidez de Hilário retarda a separação, que vai ocorrer quando o terceiro filho tinha alguns meses. 

Chiquinha foi embora de casa sem as crianças. Sua ascensão no cenário musical se dá em meio a muitas dificuldades. A polca “Atraente”, surgida durante o encontro com vários músicos, teve a partitura rasgada várias vezes por sua família. Partituras, na época, eram o único registro de uma criação musical – “Atraente” acabou popularíssima, com 15 edições somente em 1877. 

Chiquinha foi a compositora que mais explorou gêneros musicais: compôs valsa, tango, choro, marcha, maxixe, polonaise e fado, entre outros estilos. 

Esta carioca foi a primeira muitas vezes. Além de maestrina, criou orquestra de violões, instrumento na época considerado menor; compôs operetas, que deram origem ao teatro de revista; apresentou-se em prol da abolição da escravatura; envolveu-se com direitos autorais – é fundadora da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat), pioneira no país na proteção dos compositores. 

Seu maior relacionamento foi bastante controverso. Apenas depois de sua morte veio à tona a verdade sobre a relação com o português João Batista, mais tarde chamado Gonzaga (Chiquinha tinha 52 anos e ele 16 quando se conheceram). Ele chegou a ser adotado por ela como filho. Viveram juntos até a morte de Chiquinha, aos 87 anos. 

“A grande antagonista de Chiquinha foi a mentalidade da época”, conclui Edinha Diniz no documentário, lembrando a série de percalços sofridos por ela por ser mulher na sociedade que não aceitava a liberdade feminina. 

“Ela tinha a experiência materna e a experiência da escravidão muito próximas, por isso sua negritude precisa ser reivindicada”, acrescenta a socióloga Carolina Alves.

“CHIQUINHA GONZAGA – MÚSICA SUBSTANTIVO FEMININO”


O documentário estreia nesta segunda-feira (5/2), às 23h, no canal Curta!. Também disponível no streaming CurtaOn (acesso no ClaroTV+, Prime Video e site curtaon.com.br)

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