Em livro intimista, Lázaro Ramos desmascara o racismo brasileiro

Através de divagações, relatos e entrevistas, ‘Na Minha Pele’ é um livro não apenas sobre enfrentamento ao preconceito, mas sobre humanidade.

Por Lucas de Matos para o Portal Geledés 

Foto: Bob Wolfenson/Divulgação

“Sem assumir a complexidade, nada muda de lugar”. São com essas palavras que Lázaro Ramos usa para tratar a questão racial brasileira em seu mais recente livro. Lançado em junho de 2017 pela Editora Objetiva, ‘Na Minha Pele’ não é  um registro autobiográfico, como o próprio autor faz questão de pontuar. Através de divagações sobre a sua vida pessoal e sua carreira, relatos de amigos e entrevistas feitas por Lázaro em seu programa Espelho (Canal Brasil), além de dados estatísticos e posicionamentos de estudiosos, o autor traz reflexões a respeito dos ecos ensurdecedores do racismo na sociedade brasileira.

Para seguir um caminho futuro é preciso voltar-se para o que lhe antecedeu. Por esse motivo, Lázaro começa a trajetória da obra voltando-se às suas origens genealógicas, as quais se localizam na Ilha do Paty, em São Francisco do Conde na Bahia. A partir da sua experiência, o autor nos mostra o quão é difícil traçar uma genealogia das pessoas negras, principalmente por terem os antepassados escravizados e, por consequência, com uma história forçadamente apagada. Dos costumes do Paty até o influência do Ilê Ayê (bloco tradicional do Carnaval soteropolitano, pioneiro no discurso de valorização do negro e uma das grandes referências para Lázaro), o leitor passeia um pouco mais sobre a vida daquele que se tornou uma das maiores referências das artes brasileiras. Mas essa viagem só é permitida porque, antes de tudo, Lázaro reverencia e pede permissão para sua mãe falecida em 1999 (um dos momentos mais emocionantes do livro). Afinal, segundo sua avó Edith, “qualquer bom filho que saia, precisa deixar uma mensagem para sua mãe”.

Iniciado pelo Bando de Teatro Olodum, o eterno ‘Foguinho’ de Cobras e Lagartos (2006) traz à tona reflexões sobre o negro na publicidade, no campo das artes e no mercado de trabalho, e a partir daí surgem vários desdobramentos. Desde a inóspita sentença “o que você quer ser quando crescer?” até o questionamento sobre seguir o sonho de ser ator ao invés de permanecer em um emprego que lhe proporcionasse uma suposta estabilidade, Lázaro instiga o leitor a rever seus (pré)conceitos de maneira muito leve e com uma escrita simplista. Quem lê, percebe a estrutura bem articulada do racismo no Brasil, onde foram naturalizadas várias questões que minimizam a humanidade, as singularidades e as oportunidades das pessoas negras. ‘Na Minha Pele’ desmascara esse esquema e reitera o fato do racismo configurar-se um problema que precisa ser assimilado por todos e, tão importante quanto a necessidade da compreensão, a ação para findá-lo se faz urgente. É desta forma que Lázaro convoca as pessoas à vestirem-se de outras peles, pois empatia é um grande passo para entender o problema que aflige o outro.

Contudo, apesar de elucidar e clarificar muitas indagações, o autor também se vê imerso em perguntas das quais não têm resposta. Assim, Lázaro cita a complexidade da criação dos seus dois filhos, gerados pela união com a atriz Tais Araújo. Partilhamos da vivência de um pai aflito por temer que seus filhos sofram uma abordagem policial apenas pela cor da pele (fato que naturalizou-se no Brasil); entendemos os percalços e facetas da afetividade do homem negro e da mulher negra, a partir das experiências de Lázaro e Taís na época colegial, onde ambos eram preteridos ao lugar de “melhores amigos” e nunca de “paqueras”. Com isso, o autor que responde também faz perguntas e o livro torna-se uma conversa didática, divertida, prazerosa e emocionante.

‘Na Minha Pele’  deveria ser lido por todas as pessoas, pois quando se trata de racismo sempre há algo para ser ensinado e aprendido. Representatividade, empoderamento e visibilidade são artifícios que vão além da reparação. Como Lázaro salienta “não se trata de reparação, mas de potencialização humana, social e econômica”. Pessoas negras são pessoas como quaisquer outras, e precisam ser respeitadas e consideradas como tais. Negro não é um adjetivo para colocar um indivíduo em uma posição segregada e enquadrá-lo em perspectivas pequenas, limitantes, A luta pelo fim do racismo é um grito de liberdade que ultrapassa a conquista de direitos e brada pelo reconhecimento de humanidade. Por isso eu finalizo com as sábias palavras de Lázaro: “não há vida com limite preestabelecido. Seu lugar é aquele em que você sonha estar”. Sonhem (e leiam o livro)!

 

Na Minha Pele
Lázaro Ramos
Editora Objetiva, 2017
152 páginas
R$34,90

 

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