Em movimento migratório inverso, negros trocam Nova York pelo sul dos EUA

Crise econômica impulsiona marcante mudança demográfica, em que negros nova-iorquinos buscam melhores oportunidades no sul do país

No folclore familiar de Deborah Brown, o sul dos Estados Unidos era um lugar apenas para brancos com seus chafarizes e linchamentos encobertos pela escuridão. Era um lugar do qual as pessoas negras como a sua mãe haviam fugido.

Mas, para Brown, 59 anos, funcionário pública aposentada do Queens, o sul agora promete salvação. Três gerações de sua família – 10 pessoas ao todo – estão se mudando de Nova York para Atlanta, em busca de um recomeço econômico e, em certo sentido, alguma conexão com um passado amargo.

Os membros da família incluem Brown, sua mãe de 82 anos de idade e seu filho de 26, que já conseguiu um emprego e se estabeleceu na cidade. “Eu sinto uma forte atração espiritual para voltar para o sul”, disse Brown.

A crise econômica impulsionou uma marcante mudança demográfica: negros nova-iorquinos, incluindo muitos jovens de educação universitária, estão seguindo para o sul.

Aproximadamente 17% dos afro-americanos que se mudaram para o sul de outros Estados nos últimos 10 anos vieram de Nova York, muito mais do que de qualquer outro Estado americano, de acordo com dados do censo divulgados em março. Dos 44.474 negros que deixaram o Estado de Nova York em 2009, mais da metade, ou 22.508, foram para o sul do país, de acordo com um estudo realizado pelo departamento de sociologia da Faculdade do Queens para o New York Times.

O movimento não se limita a Nova York. O percentual de negros deixando grandes cidades no leste e no centro-oeste e indo para o sul agora está no nível mais alto em décadas, segundo demógrafos.

Redutos de classe média, como Jamaica e St. Albans, no Queens, estão alimentando este êxodo. Negros famosos – como James Brown, W.E.B. Du Bois e Ella Fitzgerald – viveram em St. Albans, um bairro que agora está sendo atingido por um alto índice de desemprego e execuções hipotecárias.

A migração da classe média afro-americana está ajudando a diminuir ainda mais os preços da moradia. Também está privando a comunidade negra de investimento e liderança de alguns de seus profissionais mais educados, dizem alguns líderes negros.

Inversão

O movimento marca uma inversão da chamada Grande Migração, que durou aproximadamente da Primeira Guerra Mundial até a década de 70 e viu muitos afro-americanos mudarem-se para o norte industrializado para escapar do preconceito e encontrar trabalho.

Spencer Crew, um professor de história na Universidade George Mason, que foi o curador de uma exposição de destaque sobre a Grande Migração no Instituto Smithsonian, disse que o êxodo atual de Nova York resulta em grande parte da situação econômica. Nova York está cada vez mais inacessível, e os negros têm mais oportunidades no sul.

O sul agora representa o potencial para a realização para os negros nova-iorquinos de uma maneira que não antes seria impossível, disse Crew. Ao mesmo tempo, empregos sindicalizados no serviço público que antes atraíam milhares de negros para a cidade estão se tornando mais escassos. “Nova York perdeu um pouco de seu prestígio entre os negros”, disse Crew. “Durante a Grande Migração, os negros foram para o norte, pois lá poderiam encontrar trabalho se você tivessem disposição. Mas hoje é mais fácil sobreviver no sul do que em Nova York. Muitos negros também têm raízes emocionais e espirituais no sul do país. É como voltar para casa”.

Histórico

Brown, que passou 35 anos investigando fraude no sistema de bem-estar social do Estado de Nova York, pode ter parecido uma personificação do sonho americano negro em Nova York. Na década de 50, seus pais se mudaram de Atlanta para o Harlem, e em seguida para o Queens. Sua avó era empregada doméstica, seu avô pedreiro. Uma geração mais tarde, seus pais prosperaram. Seu pai se tornou um oficial sênior na coleta de impostos para o Estado, sua mãe era uma assistente executiva do comissário de correções do Estado.

Mas Brown diz que Nova York agora é menos convidativa. Ela planeja se juntar ao filho de 26 anos de idade, Rashid, que se mudou do Queens para Atlanta no ano passado depois que se formou com uma licenciatura em criminologia, mas não conseguiu encontrar emprego em Nova York.

Em Atlanta, ele se tornou vice-xerife em poucas semanas. Já ela quer abrir um restaurante na cidade. “No Sul, eu posso comprar uma casa grande com um jardim em comparação com a caixa de sapatos que a minha poupança pode comprar em Nova York”, disse ela.

O Reverendo Floyd H. Flake, pastor dos 23 mil membros da Catedral Episcopal Afro-Metodista Grande Allen, em Jamaica, Queens, disse que ele estava perdendo centenas de fiéis por ano para a Flórida, Georgia, Carolina do Norte e Virgínia. “Durante décadas, o Queens era o lugar onde a classe média afro-americana comprava sua primeira casa e criava sua família”, disse Flake. “Mas agora, estamos vendo uma inversão desta tendência conforme os afro-americanos sentem que isso não é mais tão fácil de conseguir e que o sul é mais benevolente do que Nova York.”

Relações raciais

Alguns negros dizem que não estão partindo apenas para encontrar empregos, mas também porque cansaram das relações raciais. Candace Wilkins, 27 anos, de St. Albans, que tem um diploma em negócios, mas está desempregada, resolveu mudar para Charlotte, Carolina do Norte. Ela disse que sua decisão foi motivada por uma briga com a polícia.

Em março de 2010, segundo testemunhas, Wilkins foi jogada contra um carro por um policial branco depois que ela tentou ajudar um vizinho negro que estava sendo interrogado. Ela foi acusada de resistir à prisão e conduta desordeira, de acordo com o escritório do procurador do distrito de Queens.

Wilkins nega as acusações, que estão pendentes, e entrou com uma queixa contra a polícia. Uma porta-voz da polícia disse que o departamento está investigando a queixa. “A vida encerrou um círculo”, disse Wilkins, cuja avó nasceu em meio a campos de algodão da Carolina do Norte e se mudou para Queens em 1950. “A geração da minha avó saiu do sul e veio para o norte para escapar da segregação e do racismo”, disse ela. “Agora, estou voltando porque Nova York se tornou como o velho sul em suas atitudes raciais.”

Muitos negros nova-iorquinos que já estão no sul dizem que têm pouca vontade de voltar para a cidade, mesmo que fiquem melancólicos à menção do metrô ou das noites no Harlem. Danitta Ross, 39 anos, uma corretora imobiliária que morava em Queens, disse que se mudou para Atlanta quatro anos atrás depois de sua empresa, respondendo ao aumento dos negros nova-iorquinos que se deslocam para o sul, começou a oferecer seminários sobre a mudança. Ela ajudou a organizá-los e ficou intrigada.

Ross disse que cresceu ouvindo histórias na mesa de jantar sobre a segregação. Ela disse que a Atlanta que conheceu é um lugar cosmopolita de concertos de música clássica, casamentos interraciais e casas opulentas de pessoas negras. Mãe solteira, ela disse que com US$ 150 mil conseguiu comprar uma casa de sete quartos, com uma garagem para três carros, em um ótimo terreno. E não tem intenção de voltar a Nova York.

“As pessoas na Geórgia têm uma mentalidade diferente e a vida é mais relaxada e confortável aqui”, disse ela. “Há muito mais oportunidade.”

Fonte: IG

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