Evento discutiu desafios e perspectivas da última década de Políticas de Igualdade Racial
A Fundação Friedrich Ebert e a Ação Educativa realizaram no dia 12 de julho o encontro Jornadas de Junho e Juventudes Negras. O evento aconteceu no auditório da Ação Educativa e contou com a participação de cerca de 50 participantes e convidados/as de diferentes regiões e estados brasileiros, que se reuniram em uma roda de conversa.
A atividade teve início com a provocação de quatro debatedores/as, que tiveram, cada um/a, dez minutos para apresentar ideias, fazer perguntas e partilhar suas inquietações acerca das manifestações, que levaram às ruas milhares de jovens em protestos contra o aumento das tarifas do transporte público de suas cidades e à favor do passe livre.
Entre os/as provocadores/as do debate, a assessora do programa Diversidade, Raça e Participação, Jaqueline Santos, iniciou a discussão problematizando a desumanização dos corpos dos/as jovens negros/as no imaginário social, e como isso reflete no tratamento diferenciado dado a este segmento nos processos de manifestações ocorridos em junho. “É importante destacar que essas manifestações desencadeadas pela pauta da redução das tarifas de ônibus também são resultados de anos de luta da juventude negra. Porém, entre as questões que me inquietam, desponta o lugar vulnerável dos/as negros/as nesse embate. Nas periferias, as balas não são de borracha, é só lembrar os mortos na Favela da Maré no Rio de Janeiro.”, comenta.
Já Paulo Rogério Nunes do Instituto de Mídia Étnica chamou atenção para o processo de internacionalização dessas manifestações e as diferentes possibilidades de comunicar e articular a agenda política da juventude negra. “Se você parar pra pensar essas manifestações que aconteceram em junho no Brasil compõem uma narrativa de um momento histórico peculiar, em que estão acontecendo inúmeras mobilizações pelo mundo, como no Egito, Turquia, Chile, entre outros lugares, cujo ponto em comum é o uso das mídias digitais de modo estratégico, como meio articulador de grandes ações. Creio que fica como lição para a juventude negra pensar em como maximizar os usos dessas ferramentas no sentido de ampliar o debate sobre as nossas pautas e facilitar a nossa organização.”
Para Licio Junior, do Círculo Palmarino, as jornadas de junho colocaram em cheque o formato tradicional dos movimentos de luta da juventude negra e as formas de elaborar respostas que estes grupos estão habituados. Além disso, ele alertou para invisibilidade das reivindicações desses coletivos, colocando como desafio para os/as participantes a reflexão sobre como conquistar lugar de destaque para temas fundamentais como genocídio da juventude negra e periférica.
Durante o bate-papo, os/as participantes partilharam suas experiências durante o levante de junho, destacando aspectos como a violência policial, especialmente contra a juventude negra, bem como a maior repressão das autoridades políticas às manifestações ocorridas em bairros e regiões das periferias. Uma das participantes também denunciou o tratamento desigual dado pelos meios de comunicação e pela sociedade civil aos jovens brancos e negros envolvidos nas manifestações.
Segundo ela, em sua cidade, Recife (PE), enquanto jovens brancos não tinham suas imagens divulgadas pelos canais de televisão e rapidamente contavam com suporte de advogados e de entidades sociais, jovens negros tiveram seus retratos veiculados nos jornais locais, que foram associados a atos de vandalismo.
Entre outras propostas, os participantes da roda de conversa levantaram a necessidade de estabelecer diálogos e fortalecer a juventude negra envolvida com a cultura funk, percebida como grupo particularmente vulnerável à polícia e também ao crime organizado. Também foi elencada a necessidade de fortalecer canais de mobilização local e de incidência nacional, capazes de fortalecer e disseminar a agenda política construída pelo movimento juvenil negro.
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Nos dias 13 e 14 de junho, com apoio da Fundação Friedrich Ebert, cerca de 30 participantes da roda de conversa deram continuidade às discussões sobre as estratégias de mobilização e articulação da juventude negra, tendo como foco pensar em ações e estratégias de intervenção da juventude negra na III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
O grupo elaborou um manifesto que está circulando na Internet em busca de adesões. O documento foi apresentado a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e entregue em reunião com a presidente Dilma Rousseff, que se comprometeu em criar um fórum intergovernamental para debater as questões relacionadas ao extermínio da juventude negra. Para fazer parte desta iniciativa, envie um e-mail para Cledisson Geraldo dos Santos Junior, do Enegrecer.
Leia o manifesto na íntegra:
Nós, jovens negras e negros reunidos em São Paulo, nos dias 13 e 14 de julho de 2013, viemos, por meio desta carta, sistematizar pontos que consideramos importantes para a discussão da III CONAPIR (Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial), que tem como tema “Democracia e Desenvolvimento sem Racismo: Por um Brasil Afirmativo”.
Consideramos que, devido a luta histórica e protagonismo do movimento social negro, tivemos, nos últimos anos, avanços consideráveis no que tange as políticas de promoção da igualdade racial. São eles: a criação da SEPPIR, o decreto 4886 que institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (2003), o decreto 4887 referente à regularização fundiária das áreas quilombolas (2003), a lei 10.639 que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira e a educação para as relações étnico-raciais em todos os níveis de ensino (2003), o programa Brasil Quilombola (2004), a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (2006), Plano Nacional de Igualdade Racial (2009), o Plano Nacional de Implementação da lei 10.639/03 (2010), o Estatuto da Igualdade Racial (2010) e o programa “Juventude Viva”.
Embora componham um quadro de avanços, estas políticas apresentam alguns desafios, como no caso do Estatuto da Igualdade Racial, que, em seu processo de negociação, teve seu texto modificado em pontos centrais que são de interesse da população negra: saúde, território, ações afirmativas e religião. Juventude, neste documento, aparece somente nos eixos de “educação, cultura, esporte e lazer” e “justiça e segurança”. Além disso, é um texto autorizativo e foi aprovado sem fundos para sua aplicação. Outro exemplo seria o Juventude Viva, que embora considere uma antiga reivindicação dos movimentos de juventude negra, não alcança de forma estrutural a discussão sobre a política de segurança pública do Estado brasileiro. O documento do ENJUNE, principal inspirador deste programa, questionava também o genocídio da juventude negra como uma política de Estado, ou seja, o racismo institucional praticado por instituições de segurança pública e sistema de justiça.
Consideramos que o Brasil vem apresentando, nos últimos anos, avanços no que se refere à educação, trabalho, rendimento, moradia e políticas de inclusão social. No entanto, este crescimento pouco reflete na diminuição das desigualdades raciais no país. Em outras palavras, mesmo com o crescimento dos indicadores sociais entre todos os grupos por raça/cor, exceto no que se refere à violência, mantém-se uma expressiva diferença entre brancos e negros. De acordo com o censo de 2010, a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais de idade, por raça/cor, era de 13,7% entre os negros, enquanto que para os brancos 5,9%. Esta mesma pesquisa aponta que 8,5% da população brasileira é extremamente pobre. Neste grupo incluem-se famílias sem rendimento ou aquelas que vivem com renda per capita de até R$ 70,00, das quais 70,8% são negras. Se analisarmos o rendimento médio do trabalho por raça/cor, os homens brancos recebiam o valor mensal de R$ 1817,70, as mulheres brancas R$ 1.251,87, os homens negros R$ 952,14 e as mulheres negras R$702.17. Segundo estudo da OIT (2012), na faixa etária dos jovens de 15 a 24 anos, a taxa de desemprego dos homens é de 13,9%, enquanto a das mulheres é de 23,1%. Já a taxa de desemprego de jovens brancos é de 16,6% e de jovens negros é de 18,8%. As jovens mulheres negras expõem os maiores índices de desigualdades, apresentando taxa de desocupação de 25,3%, ou seja, 12,2% superior ao grupo de jovens homens brancos (13,1%). Ainda sobre a população jovem, o Mapa da Violência 2012: Os Novos Padrões da Violência Homicida no Brasil demonstra que as taxas de homicídio para cada 100 mil habitantes entre 1980 e 2010 cresceram de 11,7 para 26,2, o que significa um aumento de 2,7% ao ano ou 124% para todo o período, e os homens representam 91,4% do total das vítimas. No que se refere aos homicídios, com relação à variável raça, enquanto o número de homicídios de brancos caiu em 27,1% entre 2002 e 2010, entre os negros, houve incremento de 19,6% no mesmo período. Se em 2002, morriam proporcionalmente 45,8% mais negros do que brancos, em 2010, o índice atinge 139%. Além disso, quando falamos de jovens negras e negros do segmento LGBT, a violência de cunho homofóbico tem crescido progressivamente. Segundo relatório de violência elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, os crimes que atingem este segmento têm gênero, idade e raça, onde 61% estão entre 15 e 29 anos e 41% são negros em um quadro estatístico que 31% não identificam raça/cor.
Neste sentido, consideramos que precisamos avançar nas Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Sistematizamos abaixo alguns pontos que consideramos fundamentais para avançarmos nesta agenda:
• Ampliação do orçamento da SEPPIR;
• A criação de um Fundo Social de Promoção da Igualdade Racial (que contemple também a efetiva implementação do Estatuto da Igualdade Racial);
• Alteração da política econômica: diminuir gastos com o pagamento de juros da dívida pública afim de otimizar os recursos públicos para fundos sociais, nos quais se incluem as Políticas de Promoção da Igualdade Racial;
• Efetivar o Plano Nacional de Implementação da Lei 10.639/03;
• Ampliar e potencializar as ações já existentes para a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra;
• Contra o Genocídio da Juventude Negra, Pobre e Periférica;
• Elaboração de ações estruturais de combate ao genocídio da Juventude Negra, que envolvam também o Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública e Secretaria Nacional de Direitos Humanos;
• Indenização aos familiares das vitimas mortas pela policia;
• Apuração das mortes de: Maio (2006), São Paulo (2012), Maré (2013) e tantos outros casos…
• Garantir a implementação do Juventude Viva em todos os estados brasileiros;
• Desmilitarização da Polícia militar;
• Contra a redução da maioridade penal;
• Implementação do Sistema nacional de atendimento socioeducativo (SINASE);
• Reconhecimento das demandas dos povos tradicionais de matrizes africanas, no que tange o desenvolvimento sustentável, construção de equipamentos públicos de saúde e de segurança alimentar;
• Titulação imediata dos territórios quilombolas (reconhecidos e ainda não reconhecidos);
• Ampliação de política pública para a cultura, como editais, para culturas negras e de periferia, bem como valorização destes segmentos;
• Garantir a laicidade do Estado e combater a intolerância contra as religiões de matriz africana e as desigualdades de gênero;
• Plano de universalização efetiva dos direitos trabalhistas para as trabalhadoras domésticas (garantia dos marcos legais, como PEC das domésticas);
• Plano específico de combate a violência doméstica que atinge as mulheres negras (fortalecimento do marco legal “Lei Maria da Penha”);
• Legalização do aborto;
• Contra o estatuto do nascituro;
• Reconhecimento da violência sofrida pela população negra LGBT por meio de apoio as entidades e construção de relatório sobre a violência contra este segmento, entre outros.
• Universalização da política de ações afirmativas para todos os espaços institucionais do serviço público;
• Criação de um Plano de Combate ao Racismo Institucional que identifique problemas, demandas e que garanta formação dos gestores em relação às desigualdades nos órgãos públicos;
• Reforma política com recorte racial, geracional e de gênero;
• Democratização e regulamentação dos meios de comunicação, garantindo respeito à diversidade do povo brasileiro.
Essas propostas são resultado dos nossos grupos de trabalho nestes dois dias de encontro, considerando também os acúmulos das organizações e articulações políticas em que nós, jovens negras e negros, estamos inseridos. Neste sentido, convidamos outras organizações e/ou ativistas da luta contra o racismo para somar conosco neste manifesto, que deve ser entregue ao Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e à Comissão de Organização da III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR).
Assinam esse manifesto:
Alfredo Santana Santos Junior – Secretaria Nacional de Juventude – CUT – BA
Bergman de Paula Pereira – Kilombagem – SP
Cledisson Geraldo dos Santos Junior – Jacaré – Enegrecer – MG
Danilo Rosa de Lima – Educafro – SP
Dione Maria da Silva – Juventude Negra Kalunga e Coletivo de Juventude da CONEN – CE
Douglas Belchior – UNEAFRO – SP
Hingles Elizabeth Custódio da Silva – MNU – PE
Jaqueline Lima Santos – Ação Educativa – SP
Juliana Nogueira – Kitanji – Monabantu – SP
Juliane Cintra – Ação Educativa – SP
Katiara – Kilombagem – SP
Lia Lopes – Jovens Feministas – SP
Licio Junior (Juninho) – Circulo Palmarino – SP
Luana Natielle Basílio e Silva AMNB- CFEMEA – DF
Luiz Inácio Silva da Rocha ( Lula) – FEJUNES – ES
Marcela Ribeiro Santos – UNE – BA
Mariana Pimentel – Núcleo de Consciência Negra da UNICAMP – SP
Nazaré Cruz – ACIOMY – PA
Paolla Menchette Martins – Viração – SP
Paulo Rogério Nunes Santos – Instituto Mídia Étnica – BA
Roberta Guilherme de Melo – Articulação Política de Juventudes Negras – SP
Robson Conceição dos Santos – APNs – SP
Silvana Ribeiro da Silva – Conselheira Nacional de Segurança Pública (CONASP) – ES
Thiago Vinicius de Paula da Silva – Agência Solano Trindade – SP
Vanessa Cristina de Jesus (Vanessa Beco) – Negras Ativas – MG
Vitor Machel Santos Severino – Rede Afro-LGBT – DF
Fonte: Ação Educativa