Empresas lucram com a diversidade, mas não lidam com a diferença

No final dos anos de 1990, quando eu terminava o Ensino Médio, comecei a procurar emprego de carteira assinada. Eu tinha pouca experiência, era pobre e sem muitas perspectivas, consequentemente, acabava indo atrás de vagas que pudessem aceitar minha situação. Entretanto, nada, absolutamente nada me causava mais pavor do que ler, nos anúncios de emprego, a expressão “boa aparência”. Naquela época, eu não tinha consciência racial, mas por algum motivo eu já desconfiava de que aquela expressão, aparentemente profissional, significava, muitas vezes, ser branco.

Naquele momento, eu não tinha nenhuma fonte de autoestima, digo, não havia nenhum exemplo de beleza negra em lugares de destaque para que eu pudesse me incluir na classificação de “boa aparência”. Então, por diversas vezes, essa simples expressão me impedia de ir fazer a entrevista. Era o racismo institucional agindo na minha psique.

De lá pra cá, muita coisa mudou. Os temas sobre inclusão no mercado de trabalho ganharam relevância e, embora tenhamos avançado nas pautas sobre diversidade, pluralidade e respeito às diferenças, não me causa espanto notícias como a do Banco Inter, que, através de um documento intitulado “inimigos da imagem”, pediu recentemente aos seus funcionários que evitassem cabelos sem corte, roupa amassada, bolsa velha, chulé, sobrancelhas e unhas mal cuidadas, entre outros itens peculiares.

Não me causa espanto porque o ambiente corporativo, na maioria das vezes, não está interessado na diversidade propriamente, mas no quanto se pode ganhar com essas pautas. Além disso, a padronização de funcionários é um modo de controle e tende a anular individualidades. A homogeneização de condutas é sempre um instrumento de dominação.

Nos últimos anos, o discurso de representatividade ganhou força. Há um entendimento de que o diverso também gera lucro. Isto é, apostar na venda de produtos para grupos diferentes ou historicamente excluídos é mais negócio do que mirar apenas num tipo de consumidor, geralmente de classe média, branco e hétero.

Entretanto, lucrar com diversidade não me parece o ponto principal dessa discussão, já que o sistema capitalista age desse modo: transforma tudo em consumo. A questão é que as políticas de inclusão de uma empresa devem estar para além da aparência ou da ideia rasa de representatividade.

Isto é, ter pessoas negras na sua equipe não garante diversidade. É necessário que essas pessoas estejam em postos de comando, de decisão e de poder. Mais do que isso, que estejam alinhadas com as ideias de reparação histórica. Sem essa perspectiva, me parece vazia e ineficaz a ideia de diversidade.

Para terminar, lembro quando certa vez fui trabalhar num escritório de advogados. Eu era office boy. Um tipo de faz tudo. Todos ali usavam ternos e gravatas, menos eu. Me sentia diferente. Certo dia, meu chefe me chamou em sua sala e me deu um terno usado de presente, dizendo que, dali em diante, eu deveria me vestir assim. Você precisa parecer com a gente, ele disse.

Lembro de ter ido feliz para casa. Passei a usar ternos todos os dias, então, quando eu ia ao banco, eventualmente era chamado de doutor. Parecia que eu pertencia ao mundo de quem tem “boa aparência”. No entanto, certa vez, ao voltar do almoço para o escritório, um dos advogados olhou para mim e disse que eu, com aquele terno, parecia um segurança, e que todos ali, agora, podiam se sentir seguros. Em seguida veio uma risada geral. Eu também ri, um riso difícil, triste e melancólico. Eu era o único negro entre eles.

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