Ex-deputado conta como lutou contra o racismo em Brasília

O Portal Correio Nagô inicia hoje (03/02) uma de entrevistas com gestores, parlamentares e pessoas públicas que lutam a favor de políticas públicas contra o racismo.

Do Correio Nago

Começamos com um dos parlamentares que mais atuaram no tema. Em sua última entrevista como deputado federal, Luiz Alberto (que deixou o cargo no último dia 31 de janeiro) falou com o Correio Nagô sobre a temática racial no Brasil. No congresso, o ex-deputado federal, que assumiu quatro mandatos consecutivos, lutou a favor de pautas que colaboram para a promoção da igualdade racial, como a criação das políticas de cotas nas universidades federais. Além disso, falou sobre seus próximos passos na militância política.

Correio Nagô– No Congresso, durante os seus mandatos, quais foram as maiores dificuldades encontradas no que diz respeito à aprovação de projetos que promovam a igualdade racial?

Luiz Alberto – Todas as dificuldades. Em 1988, quando nós aprovamos o projeto que torna o crime de racismo como imprescritível e inafiançável, não houve problema. Mas, quando se ultrapassou do aparato legal, penal e evolui para a questão de promoção da igualdade racial, o problema se instaurou, porque isso implica direito a terra pelas comunidades quilombolas e acesso a espaços que historicamente foram dominados pelos brancos, como é o caso das universidades e do mercado de trabalho. Discutir sobre a questão de promoção da igualdade racial promove um desconforto nos brancos. O grande enfrentamento no Congresso foi a proposta de se criar um Fundo Nacional de Promoção de Igualdade Racial, que até hoje não saiu da gaveta. O debate também sobre o direito a terra pelas comunidades quilombolas será muito mais dificultado neste cenário político.

CN– O número de jovens negros que morrem violentamente ainda é muito elevado, sobretudo, em casos envolvendo as polícias. Há casos de repercussão internacional como Amarildo e Davi que não foram solucionados, mesmo o governo lançando a iniciativa chamada Juventude Viva e dizendo ser uma prioridade enfrentar o genocídio da juventude negra. Como está sendo o debate no Congresso pela aprovação da Lei 4471 (fim dos autos de resistência)?

LA- Na verdade, precisamos compreender este ambiente de agressão a jovens negros, que nós chamamos hoje de genocídio negro, dentro de um contexto maior. O Movimento Negro Unificado (MNU) sempre denunciou a morte de jovens negros. Temos de ampliar esta discussão. A luta pelo fim das mortes de jovens negros é uma luta contra o racismo. Lutar somente sobre o fenômeno da morte deste grupo é muito difícil. Temos que fazer com que a população negra compreenda que o genocídio da juventude negra está relacionado ao racismo. Sobre a aprovação do projeto de lei a favor do fim dos autos de resistência (PL- 4471), há muita resistência pela bancada dos policiais, parlamentares ligados as policiais, que nós chamamos de ‘bancada da bala’. Estes parlamentares fazem toda a pressão contrária ao PL 44471. Na realidade, há três bancadas contrárias à aprovação de projetos que interessam a comunidade negra: a bancada da polícia, a bancada ruralista e a bancada evangélica.

CN-    Qual a sua avaliação sobre os entraves para a efetivação das políticas de atenção  aos povos quilombolas? Por que ainda há tantos conflitos relacionados à terra, muitos envolvendo o próprio Estado Brasileiro, como é o caso de Rio dos Macacos na Bahia e Alcântara, no Maranhão?

LA– Como a maioria dos países americanos colonizados, o Brasil tem uma história na qual a terra teve um papel estratégico na dominação política e de poder. Os grandes conflitos atuais relacionados atuais estão ligados ao acesso a terra. Há o conflito com os proprietários de terra, que querem avançar sobre a fronteira agrícola. O agronegócio tem muito peso no Produto Interno Bruto (PIB). Então, ampliar os direitos a terra pelas comunidades tradicionais é muito difícil e será ainda mais. No atual Congresso, foram eleitos 160 deputados da bancada ruralista. Este cenário pode significar retrocesso para a garantia de direitos das comunidades quilombolas e indígenas. Em relação aos conflitos existentes no Rio dos Macacos e em Alcântara, eles estão ligados com a discussão sobre a Defesa Nacional, com a Marinha e o Exército. O conceito de desenvolvimento atual bate de frente com os interesses das comunidades quilombolas. Nunca se discutiu no Congresso, profundamente, o direito destas comunidades.

CN– A aprovação das políticas de cotas causou divergências de opiniões no Congresso e na sociedade. Como o senhor faz esta avaliação? Como foi feita a discussão sobre cotas raciais – cotas sociais?

A reação às políticas de cotas pelos brancos brasileiros vem do sentimento de que há um deslocamento de um espaço histórico que eles sempre dominaram. As universidades sempre foram dominadas pelos brancos. As reações contrárias às cotas raciais surgem dos brancos, mas, também, do setor privado de ensino: as indústrias de cursinhos. Se falando do diálogo entre cotas sociais e raciais, é necessário contextualizar o debate. A questão social é típica do capitalismo excludente, que trabalha na lógica de acumular riqueza para uns e pobreza para outros. O diálogo entre cotas sociais e raciais foi uma estratégia para aprovar as cotas raciais, porque há uma reação muito grande para aprovação de cotas raciais. Então, com o objetivo de aprovar as cotas raciais, houve uma agregação às cotas sociais. A rigor, o conceito de cotas sociais iria atender quase que exclusivamente aos negros, pois são eles os mais pobres, menos destituídos de condição material e de acesso à universidade. No entanto, este diálogo social é uma forma de escamotear o debate da questão racial. As cotas têm relação com o racismo, independentemente da classe média, rica ou pobre. Mas, associar as cotas sociais e raciais foi uma estratégia de aprovação para as cotas raciais.

CN- Quais são os seus projetos para o futuro da carreira política?

A nossa militância começou no movimento social negro. Eu continuo sendo militante do Movimento Negro. Temos que continuar dialogando com o congresso justamente para não permitir a possibilidade de retrocesso nas nossas pautas. Esta juventude não pode viver o processo de interrupção disso. A juventude precisa compreender que há um processo de continuidade e que ela tem um papel importante nesta questão. Eu me disponho a dialogar com a juventude negra no intuito de discutir o racismo no Brasil.

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