Vida básica e vida simples como opções filosóficas
Por: Fátima Oliveira, no Jornal OTEMPO
Nem gosto de pão. Sequer consigo comer um pão francês inteiro, apenas a metade, mas devo declarar que não tê-lo fresquinho à mesa no café da manhã me incomoda, pois pão dormido não é pão; e congelado também não é pão. Meras imitações. Meu sonho de consumo é uma entrega de pão fresco cedinho em minha casa.
É um serviço que faz falta, porque levantar num friozinho para buscar um pão, para quem só come meio, beira as raias da insanidade… Fico na vontade e descongelo “minha banda” de pão francês e como aquela coisa quase ogra com manteiga… Como, mas não é pão!
Uma das minhas filhas ficou com ar patético quando falei que odeio não ter quem busque o pão e sonho com a entrega de pão fresco a domicílio… “Como a senhora complica a vida! Vai tomar café lá no Diniz (mercearia/padaria da Cidade Jardim). Eita preguiça! Essa de querer pão fresco delivery é demais! Sua doença é não ter mais a gente aqui pra fazer mandados. Sabia que mandar vicia?”. Retruquei: “Saber mandar é uma arte que domino, esqueceu?”.
Carro para mim
não é exibicionismo
de como anda o meu bolso. “Ora, pra ter
um carro melhor!”
Melhor pra quê e
pra quem?
Tomo café na padaria quando vou trabalhar, mas amo café da manhã em casa, uma zona de conforto e de ternura, como disse em “A mesa posta para o café da manhã é uma cultura de ternura” (O TEMPO, 19.7.2011). Comer bem é um direito humano fundamental. Detesto fast-food, comida “Frankestein”.
Nunca comi nos Macs da vida! Talvez, ranhetices sertanejas da velhice, mas meu norte é a filosofia “slow food”, uma face da ecogastronomia que defende a herança culinária, as tradições e culturas que tornam possível esse prazer.
É o tipo da conversa que descamba nos estilos culturais de vida e que viver na cidade grande interdita a adoção filosófica de vida básica e/ou vida simples: a simplicidade voluntária como opção – não é vida da penúria imposta pela pobreza nem de “canhenguices” franciscanas – de estilos de vida: a simplicidade como filosofia, que é um longo caminho, mas não exige viver em bolhas de simplicidade, como ecovilas, que é pra quem pode até dispensar veículos pessoais motorizados. O resto é sectarismo.
Sempre fui criticada por não levar uma vida segundo o “padrão de vida de médico”, coisa antiga, antes da proletarização da profissão, sobretudo por passar décadas (isso mesmo!) com o mesmo carro – ora, se eu uso um carro que, depois de mais de dez anos, não chega a 50 mil quilômetros rodados, por qual motivo tenho de trocá-lo, se carro para mim não é um cartão de exibicionismo de como anda o meu bolso? “Ora, pra ter um carro melhor!” Melhor pra quê e pra quem?
Meu carro não é uma moldura de minha vida, ao contrário: eu sou a moldura dele! A diferença é enorme e nada sutil se comparada a uma amiga que troca de carro religiosamente a cada dois anos. Eu a conheço há mais de 20 anos, sempre apertada, “pagando o carro”. É que ela diz que só usa “carro, carro, e não carroça!”. No sábado à noite, sabendo que ela “precisa” trocar o carro até julho, sugeri que poderia se libertar de passar o resto da vida pagando carro: vender o turbinado dela, que, com quase dois anos de uso, tem preço de mercado de cento e poucos mil, e comprar um Veloster, que é lindo, tem presença e enche os olhos por onde passa… E ainda sobraria um troco.
Ela: “Imagina eu de repente aparecer num carrinho desses, vão dizer que fali. Minha marca registrada é ter carrão”. E quando falei que chegou meu tempo de morar num loft, para simplificar a vida, ela disse: “Ai, que alívio! Pensei que simplificaria para uma quitinete!”. Ai, ai…
Fonte: Viomundo