Após anos de leitura e de terapia, reconheço que todos os meus diplomas, idiomas e experiência, aqui no Brasil, nunca estarão tão em destaque em meu currículo, quanto a minha negritude.
Durante muito tempo, apontei o dedo durante em direção a pessoas negras bem sucedidas que não faziam uso de sua imagem ou condição financeira para lutar pela causa negra, pelos que estão e pelos que virão. Eu achava que a responsabilidade era “deles” e “eles”, no geral, eram artistas, esportistas, grandes empresários.
Tive de chegar aos 39 anos de idade, de uma vida subjugada, para descobrir que enquanto apontava o indicador para “eles”, tinha o polegar apontado na minha própria direção.
Aos 39 anos, mãe solteira, doutora em educação, profissional gabaritada, descobri que representatividade na educação importa, que minha representatividade importa. Mas antes quero falar um pouco deste “gabaritada” que mencionei.
Após anos de leitura e de terapia, reconheço que todos os meus diplomas, idiomas e experiência, aqui no Brasil, nunca estarão tão em destaque em meu currículo, quanto a minha negritude.
Minha competência? Minha experiência? Os títulos? Os livros? Na vida amorosa, a beleza? De que isso importa? O primeiro item da minha lista sempre será: negra. Mas explorar este elemento é assunto para um outro artigo.
Neste, foco sobre o futuro que desejo para minha filha e para todas as meninas pretas como ela – não quero que seja tão difícil quanto o meu (e sem dúvida tão absurdo quanto o das milhares de negras vítimas de todo tipo de tortura diária, desde o seu nascimento até o fim da vida – geralmente solitário.
O estopim deste artigo surgiu num momento em que percebi que minha posição obrigou uma pessoa a rever sua postura racista num determinado ambiente – e ainda que não mude, que não reflita, terá de respeitar porque assim o exigi. E isso faz toda a diferença. A minha atitude impositiva, que quem é negro sabe, o quanto me custou e doeu, foi, no mesmo dia, presentiada por um movimento de respeito e consideração, não por minha posição como chefe, mas por minha atuação como líder – e negra.
Um professor de minha equipe desejou homenagear minha negritude e a mulher que sou, presenteando seus alunos com uma aula sobre Maya Angelou. Ele não me falou isso diretamente, mas da mesma forma que reconheço os “invisíveis” olhos racista, enxerguei seu olhar elogioso – foi um dom que a brutalidade racista me deu e que aprendi a usar a meu favor – o dom de interpretar os olhos.
Não desejo que nossas meninas negras tenham de desenvolver este dom, mas sei que irão. E ainda no âmbito educacional, percebi que o que temos hoje de trabalho com competências socioemocionais será insufiente para tampar o buraco histórico e social que elas carregarão em si.
Não preciso falar sobre a essencialidade do feminismo negro. Apenas tomo como uma das minhas missões o feminismo negro na infância, a necessidade do desenvolvimento ordenado e pedagogicamente embasado das competências socioemocionais em nossas meninas, porque jamais – repito jamais – seremos também pedagogicamente justos se não considerarmos as particulares da infância feminina negra, que, na maioria dos casos, passa pela rejeição externa e interna desde o nascimento até o final da vida.
Este artigo é um manifesto por uma abordagem urgente do feminismo negro na educação, da qual me torno militante e estudiosa, cobrando de mim mesma o que exigi a vida inteira “deles”.
** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.