Filme Kbela é homenagem a todas as mulheres negras

Idealizado por Yasmin Thayná e realizado coletivamente, Kbela nasceu a partir de um conto escrito por ela sobre descobrir-se negra e “assumir” os fios crespos. O processo enfrentado pela maioria das meninas negras ao longo da vida, de rejeição ao próprio cabelo, submissão à dolorosos processos químicos para alisar e recusa à cor da pele são os temas centrais do conto, que fez parte da publicação da Feira Literária das Periferias e foi encenado durante o Festival Home Theatre. Após três anos de processo, Kbela foi a primeira lotação do cinema Odeon desde sua reinauguração em maio, com uma plateia predominantemente negra. Haverá ainda mais três sessões do filme, nos dias 18, 19 e 20 deste mês, às 17h40

Por Debora Pio, no Brasil 247

Filme Kbela homenageia todas as mulheres negras

Três anos de processo. Primeira lotação do cinema Odeon desde sua reinauguração em maio. Uma plateia predominantemente negra. O filme Kbela, que estreou no último sábado, dia 12, já pode ser considerado um marco para o cinema brasileiro. O Rio de Janeiro vivenciou enfim, #UmDiaNegroParaOCinema.

Idealizado por Yasmin Thayná, Kbela nasceu a partir de um conto que ela escreveu sobre descobrir-se negra e “assumir” os fios crespos. O processo enfrentado pela maioria das meninas negras ao longo da vida, de rejeição ao próprio cabelo, submissão à dolorosos processos químicos para alisar e recusa à cor da pele são os temas centrais do conto. O texto foi parar na publicação da Flupp (Feira Literária das Periferias) e, em seguida, foi encenado em algumas casas durante o Festival Home Theatre.

Com a repercussão das duas mostras, a ideia de “fazer alguma coisa com aquilo” começou a crescer. “A gente queria fazer alguma coisa, mas não sabíamos direito o quê. Primeiro pensamos em gravar um vídeo com alguém lendo ou narrando o conto”, explica Yasmin, que hoje cursa jornalismo na PUC.

Foi então que ela se reuniu com um coletivo de amigos e fez uma chamada pública através das redes sociais convidando meninas negras a contarem suas histórias. A história viralizou e em menos de uma semana o grupo recebeu mais de 100 e-mails do Brasil inteiro. O teste de elenco contou com cerca de 40 meninas do Rio de Janeiro e aconteceu em um estúdio improvisado na casa de integrantes do coletivo. Este primeiro encontro foi um catalisador para a realização de um projeto maior, já que todas as histórias compartilhadas naquele dia diziam a mesma coisa: ser mulher e negra ainda é tarefa árdua no Brasil.

“Um amigo compartilhou a postagem comigo e disse que era a minha cara. Estou no processo desde o início, desde o primeiro teste de elenco. O Kbela me ajudou muito a me descobrir em diversos aspectos. Só tenho a agradecer à Yasmin que pôs pra fora em forma de conto tudo que nós mulheres negras já passamos e depois transformou o conto nesse curta fantástico. Não tenho palavras pra descrever, apenas a agradecer”, disse, emocionada, Dandara Raimundo, que atua em uma das cenas mais emblemáticas do filme.

Com as gravações já quase concluídas, Yasmin foi assaltada e todo o material filmado na primeira etapa foi perdido. Mais uma vez a internet entrou como principal aliada e um crowdfounding (financiamento coletivo) foi lançado para ajudar a reiniciar todo o processo.

Representatividade importa

Após a perda do material e a necessidade de recomeçar tudo praticamente do zero, o projeto foi ganhando novos contornos, entre eles a necessidade de se estruturar melhor e profissionalizar o trabalho. A produção contou com videomakers, figurinistas, maquiadoras, produtoras, musicistas, preparadoras de elenco, programadoras, etc. Todas profissionais – a maioria mulheres negras. Com apenas R$5 mil para a realização do filme, todas as pessoas envolvidas trabalharam sem receber dinheiro.

A estudante transexual Maria Clara Araújo veio do Recife especialmente para atuar no curta. “A Yasmin me chamou no Facebook e me convidou para participar das gravações. Eu topei na hora, porque as mulheres trans não estão representadas em lugar nenhum. Até quando é para nos representar em filmes, homens cis fazem. Então esse filme é importante por isso, por representar não só as mulheres negras, mas também as mulheres trans”, garantiu.

A palavra “representatividade”, aliás, foi uma das mais faladas da noite. O fato de lotar os 550 lugares de um cinema tradicional como o Odeon com uma plateia essencialmente negra, que mora, circula e realiza suas ações além do eixo Centro-Zonal Sul, é bastante significativo. A importância do filme também está na forma como ele foi realizado. Além de mostrar que é possível criar produtos de qualidade em um sistema distante do modelo tradicional, ele ainda traz um viés político, que é um retrato da juventude de periferias que vem criando e ocupando cada vez mais todos os espaços, tanto virtuais quanto físicos.

Problematizar o racismo através de um filme de arte foi apenas um dos caminhos encontrados. Mas há muito mais a ser feito – e esta foi a primeira garantia de que “estará tendo” mais filme, mais mulheres pretas e muito mais representatividade.

“O racismo cria muitos abismos, mas acho que a melhor maneira de a gente responder a isso é sendo rainhas e dando bafão no Odeon”, brincou Yasmin.

Haverá ainda mais três sessões, nos dias 18, 19 e 20 de setembro, às 17h40. Todos pagam meia entrada.

KBELA | Teaser

 

 

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