Flávia Oliveira: A menina de Irajá, no Rio, que virou referência em jornalismo econômico

“Quando você é uma jovem, negra e nascida no subúrbio, há algumas profissões que são pré-definidas pela sociedade”, afirma Flávia Oliveira, 45, colunista do jornal “O Globo” e comentarista de economia do programa “Estúdio I”, da Globo News, sobre as dificuldades que enfrentou antes se se tornar jornalista.

Da Folha de S.Paulo

“Minha mãe tinha uma amiga que sempre sugeria empregos para mim. Um dia ela disse para eu prestar concurso para bilheteira do metrô. Fiquei furiosa! Isso tem um lado cruel, mesmo que pese as boas intenções. Meu sonho era entrar na universidade! Ainda bem que tive o total apoio da minha mãe”.

Filha única, Flávia cresceu e passou boa parte da sua vida em Irajá, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Seu pai saiu de casa quando ela era muito pequena e por isso foi criada em um apartamento próprio, do BNH, somente pela mãe, uma baiana nascida no município de Cachoeira. Quando criança, mais vivia brincando na rua do que em casa. Tocava a campainha dos vizinhos e saía correndo, ia até o campinho perto do seu apartamento para assistir aos meninos jogarem bola… “Era uma delícia!”

Flávia sempre recebeu incentivo em relação aos estudos. Na adolescência, passou a frequentar a Escola Nacional de Ciência e Estatística, onde cursou todo o Ensino Médio. Foi nessa época que a jovem começou a sonhar com um curso universitário, porém decidir qual carreira seguir não foi uma tarefa fácil, até porque ela não tinha contato com muitas profissões. No início, pensava em prestar vestibular para história ou psicologia, mas alertada por uma amiga que percebeu a sua vocação para comunicação, foi se identificando aos poucos com o jornalismo.

Na última sexta-feira (3), a jornalista participou do 10 º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, onde debateu a questão racial na profissão (Foto: Rafael Carneiro da Cunha/Blog Mural)
Na última sexta-feira (3), a jornalista participou do 10 º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, onde debateu a questão racial na profissão (Foto: Rafael Carneiro da Cunha/Blog Mural)

Na primeira vez, passou na Universidade Gama Filho, mas não cursou porque não tinha como pagar. Sua mãe então, a matriculou em um cursinho preparatório e, na segunda tentativa, conseguiu entrar para a Universidade Federal Fluminense (UFF). “Naquela época havia uma pressão natural onde eu morava para que os jovens de 17, 18 anos começassem a trabalhar desde cedo para ajudar em casa, mas minha mãe teve sensibilidade. Claro, se eu tivesse irmãos, a minha história seria outra”. Hoje, somente Flávia e uma prima possuem diploma universitário na família.

Em 1992, teve o seu primeiro contato com uma redação de jornal, quando foi chamada para trabalhar no “Jornal do Commercio”. Em 1994, ingressou na editoria de economia do “O Globo” e em 2007 passou a trabalhar também na Globo News. “Meu interesse por números vem desde o Ensino Médio. Hoje, Flávia fala de economia de uma forma simples, de fácil compreensão e visando atingir os mais variados públicos.

Frequentemente a jornalista aborda o cotidiano das comunidades cariocas pelo viés econômico, sendo que alguns dos assuntos ela busca no noticiário local. “Os veículos comunitários são muito importantes para formar uma identidade, pressionar o poder público e para a construção de uma cidadania. Eles são complementares aos veículos de massa, que apresentam os fatos de maneira mais ampla, e por isso não os substituem. Mas, sem dúvidas, a mídia comunitária é uma ferramenta de empoderamento e fundamental para a democracia”.

Renê Silva, 20, é um dos seus contatos no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. Ele é editor do jornal “Voz da Comunidade”. “Bolei uma vez para a coluna ‘Negócios & Cia’ um especial sobre o Natal nas comunidades cariocas. Contratamos três jovens ─ Silva era um deles ─ para escrever as reportagens. No Alemão, por exemplo, a matéria foi sobre o forte comércio de carne nessa época do ano, pois o Natal por lá termina sempre com churrasco”, lembra.

Flávia já não mora mais no subúrbio do Rio, mas, quando pode, não deixa de visitar o local onde passou a infância e a adolescência. Em 1992, quando casou, a jornalista se mudou de Irajá para o Méier e, pouco antes da filha Isabela nascer, para a Tijuca, ambos na Zona Norte. Atualmente, vive com o segundo marido na Lagoa, Zona Sul da cidade. “Minha mãe morou em Irajá até pouco antes dela falecer, há quatro anos, mas tenho comadre e afilhada que ainda moram no bairro. Sempre que possível eu volto lá.”

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