Os problemas que mais afligem os brasileiros, como saúde, segurança e educação, foram negligenciados até aqui
por Flávia Oliveira no O Globo

Minha primeira eleição foi em 1989. Três décadas de exercício democrático não me tiraram a emoção com o momento do voto. Hoje, mais uma vez, deixei a seção com os olhos marejados. Dessa vez, pela experiência de ver na tela da urna fotos de mulheres negras que ousaram participar da disputa. Num sistema político tão escasso em diversidade, cada vitória, mínima que seja, da representatividade há que ser festejada. Na votação, o Rio de Janeiro baniu herdeiros de caciques políticos envolvidos no maior escândalo de corrupção da História. E ainda que com vantagem acachapante dos primeiros colocados, Jair Bolsonaro (PSL) e Wilson Witzel (PSC), brasileiros e fluminenses teclaram “sim” para o segundo turno com Fernando Haddad (PT) e Eduardo Paes (DEM).
Fígados saciados por uma campanha ancorada mais no ódio que na esperança, é hora de render devoção à democracia brasileira, que é jovem e, posta em suspeita, se fragiliza. Não é certo que candidatos consagrados pelas urnas ponham em dúvida o sistema eleitoral, como fez o agora senador eleito, Flavio Bolsonaro (PSL), que divulgou em redes sociais um vídeo falso com denúncia de fraude a favor do adversário do pai presidenciável. Um técnico em edição do TRE-MG atestou a manipulação das imagens.
Regime blindado, urge debater projetos. A campanha curta e agressiva, até aqui, tratou superficialmente dos problemas que mais preocupam os brasileiros: saúde, segurança, educação. Corrupção e alianças políticas monopolizaram debates e entrevistas. O vencedor do primeiro turno, hospitalizado após sofrer atentado a faca, não detalhou propostas. Tanto Bolsonaro quanto Haddad vão precisar explicar como conduzirão a economia na direção da desejada retomada do crescimento e da recuperação do emprego; como vão superar a gravíssima crise na segurança pública.
O candidato do PSL, pelo pouco que se expôs, recebeu de quase metade do eleitorado um cheque em branco. É desejável que, agora, explique como vai preenchê-lo. De preferência, com projetos, em vez de frases de efeito, desmentidos e cala-bocas.