Google é acusado de racista quando, na verdade, a sociedade que o é

Na semana passada, muita gente se chocou com o vídeo do usuário do Twitter Kabir Alli, que viralizou ao mostrar uma busca por “três jovens negros” e em seguida “três jovens brancos”, com resultados totalmente diferentes. No primeiro, imagens de apreensões e bandidos, enquanto no segundo caso eram jovens brancos felizes, bem vestidos e sem nada de negativo.

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O alcance do post foi enorme, com 67.687 retweets. Alli disse ao The Guardian que amigos sugeriram a pesquisa, mas que quando viu com os próprios olhos ficou em choque. Porém, ele complementou que não acha que o Google seja racista, como muitos acusaram. “Os resultados são formados pelo algoritmo configurado. Eles não são racistas, mas acredito que deveriam ter mais controle sobre essas questões”, afirma. Para ele, se a empresa tem tantas regras e fiscalização para anúncios, bem como o conteúdo que vai aparecer em outros aplicativos, eles não deveriam se posicionar com tanta “neutralidade” no que diz respeito às imagens.

O Google informou que os resultados de pesquisa são reflexo da internet, incluindo a frequência com que as imagens aparecem e como elas são descritas. “Isso significa que algumas vezes retratos desagradáveis ou de conteúdo delicado podem aparecer em algumas buscas. Isso não reflete as opiniões do Google. Como empresa, nós valorizamos muito a diversidade de perspectivas, ideias e culturas”, explicou em nota.

Infelizmente, este é apenas um dos casos. Recentemente, a estudante Bonnie Komona buscou por “estilos de cabelo para trabalho” e teve a mesma surpresa. Em estilos não-profissionais, só apareceram negras com cabelos afro, enquanto nos resultados ditos “profissionais” apenas brancas apareceram.
Twitter-racismoNo passado, o Google chegou a intervir em casos polêmicos, como o dos jovens negros que receberam sugestões de tag de gorilas que, em seguida, a empresa se desculpou publicamente. Houve ainda a remoção de uma imagem comparando Michelle Obama também a um gorila.

No Brasil, a situação nas buscas não é muito diferente. Basta traduzir diretamente para “três jovens negros” ou “três jovens brancos” para obter os resultados bastante semelhantes.

Entendemos que o Google não é racista, porém a situação é no mínimo um reflexo direto não apenas do que as pessoas buscam, mas de que a sociedade é racista. E não se resume à norte-americana exclusivamente. Na verdade, este é um excelente exemplo do racismo no Brasil que muitos insistem em negar que existe. O Google pode ser apenas uma vitrine que mostra o que as pessoas pensam, na ordem que elas pensam, mas será que as grandes instituições não têm um papel quando se trata de racismo? Mostrar o racismo pode ser uma forma de reforçar o racismo.

Pela lógica atual do Google, só veremos imagens positivas de negros quando as pessoas estiverem buscando e escrevendo coisas positivas de negros. É nítido que a não interferência nos resultados tem interesse financeiro e corporativo. No entanto, ser uma gigante líder em sistemas de busca tem o potencial de ser um fator influenciador sem igual, então será que se pronunciar apenas em casos extremos é mesmo a melhor saída? Não tomar uma atitude não deixa de ser um posicionamento. Com tanto poder em mãos, por que não usá-lo para combater mais efetivamente o racismo na sociedade?

 

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