A Associação Nacional de Defensores Públicos ingressa nesta quarta-feira (24) com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para pedir que grávidas afetadas pelo vírus da zika e que estejam em “grande sofrimento mental” tenham direito ao aborto.
Por CLÁUDIA COLLUCCI, da Folha de S, Paulo
Não consta na ação a obrigatoriedade de comprovar microcefalia ou outros danos cerebrais no bebê –condição atualmente chamada de síndrome congênita da zika. Isso foi cogitado inicialmente pelo grupo. O diagnóstico da síndrome, no entanto, é tardio (após a 21ª semana de gestação), o que poderia inviabilizar o aborto.
Segundo o defensor público Joaquim Neto, presidente da associação, a ação não intenciona “autorização aberta” para aborto. Isso ocorreria apenas em casos “muito excepcionais”, em que o sofrimento mental da gestante esteja comprovado por laudos médicos e psicológicos.
A ação, sem prazo para chegar ao plenário do STF, reúne também outros quatro pedidos –entre eles, que as mulheres tenham acesso a contracepção e repelentes e as crianças com microcefalia, garantia à reabilitação.
“O aborto não é o principal objetivo da ação, mas é impossível tratar do tema zika sem passar pelo assunto. Estamos com uma emergência de saúde pública, que afeta os mais vulneráveis e diante de um Estado omisso em relação às políticas públicas.”
“É um pedido de proteção à saúde mental das mulheres afetadas pelo zika, de reconhecer esse cenário de angústia e de sofrimento diante de incertezas e da precarização do acesso à saúde”, afirma Sinara Gumieri, advogada do instituto de bioética Anis.
O instituto, que encampou o processo que conseguiu direito ao aborto em casos de anencéfalos (fetos sem cérebro), é o idealizador da nova ação com apoio de advogados, cientistas e ativistas.
Debora Diniz, professora da UnB (Universidade de Brasília) e que dirige o Anis, faz uma analogia da permissão do aborto no contexto do zika aos casos de estupro, em que há autorização legal –além dos casos de risco à vida da mãe e de anencefalia. “A mulher sofre grave violência pelo Estado [que negligencia o combate ao mosquito Aedes aegypti, vetor do vírus da zika], vive intenso sofrimento.”
Alguns países afetados pela zika, como a Colômbia, reconhecem o direito ao aborto quando há perigo para a saúde mental da gestante. Pesquisa Datafolha realizada em fevereiro aponta que a maioria da população (58%) considera que as mulheres infectadas pelo vírus da zika não deveriam ter direito de abortar. Mesmo em casos de microcefalia, 51% rejeitam a possibilidade de aborto legal.
INFORMAÇÕES
A ação, com 90 páginas, questiona a constitucionalidade e a adequação de leis diante da epidemia de zika. Um dos pontos questionados é o acesso a informações. “Muita coisa vem sendo descoberta, como a transmissão sexual do vírus da zika e que a microcefalia é só um dos sinais, a síndrome é muito mais ampla [com dano cerebral, visual e auditivo]. Mas as informações oficiais não estão atualizadas”, afirma Sinara.
Outra reivindicação é para ampliar métodos de contracepção de longa duração, como DIU e implantes, e de repelentes. “É proteção básica para mulheres”, diz Debora.
A ação pede ainda garantia de transporte às famílias dos bebês com microcefalia, além de mudanças nos critérios da assistência social, que limitam em três anos a oferta do benefício de prestação continuada a essas crianças. “A deficiência delas é permanente”, diz Joaquim Neto.
Cinco pedidos ao STF
Em ação da Associação Nacional de Defensores Públicos
1. Acesso a informação Divulgação sobre prevenção e transmissão por relação sexual; informar que os efeitos sobre o feto são muito amplos
2. Planejamento familiar Garantia de contraceptivos de longa duração (DIU e implantes subdérmicos), além de distribuição de repelentes pelo SUS
3. Interrupção da gestação Direito de interromper a gravidez caso mulher infectada esteja em grande sofrimento mental, comprovado por laudos
4. Proteção social Garantia de ajuda financeira a crianças afetadas e revisão da limitação do benefício a famílias que ganham 25% do salário mínimo
5. Garantia ao transporte Hoje famílias dependem da vontade e da disponibilidade de prefeituras em transportar crianças até centros de reabilitação