Histórias de esperança de dois jovens oriundos de minorias

Livros de Maajid Nawaz e Alom Shaha.

por Nick Cohen

 

 radical

Seria a oposição à reação, reacionária? Ou o repúdio à intolerância religiosa, intolerante? Criticar “o islã como opressor dos direitos de gays e mulheres”, disse um colunista do Guardian semana passada, é manifestar “preconceito progressista”. Liberais de verdade não criticam religião iliberal. Eles denunciam a crítica do preconceito como preconceituosa.

Argumentar contra o que se tornou ortodoxia é difícil porque a maior parte das pessoas que defendem seus pontos não é maliciosa, apenas indolente e um pouco assustada. Elas têm, por menos raciocinado que seja, um medo real de racismo, e isso conta como crédito. Ainda assim, argumentar contra a ortodoxia é necessário, porque os partidários das políticas de identidade empacotam os objetos de sua preocupação em caixas raciais e religiosas, seladas com o aviso “manusear com cuidado”.

Eles negam a individualidade. Ignoram conflitos existentes dentro de minorias étnicas. Comportam-se como se mulheres de pele marrom não devessem ter os mesmo direitos das mulheres de pele branca, embora careçam de honestidade intelectual para explicitar seu racismo de baixas expectativas. Apesar de todas as desculpas que você pode elaborar para esses partidários, eles estão tomados por uma espécie de malícia, embora mais próxima do pecado de omissão que de comissão.

Nos últimos dias, vimos uma resposta a esse estado de coisas, resposta que é também uma admoestação, com a publicação da segunda “memória de fuga” do verão – se me permitem cunhar o termo. Apesar do título, The young atheist’s handbook, de Alom Shaha, é tanto autobiografia quanto um argumento contra a religião. O autor descreve como a morte precoce de sua mãe o levou a pensar o problema do mal, o argumento mais antigo e efetivo contra um deus benevolente e onipotente. Ele interrompe de vez em quando sua crítica da teologia com narrativas de sua experiência com o racismo. Sendo a cultura britânica o que é, ele sabe que deve antes de mais nada dar suas credenciais anti-racistas e devotar espaço para combater a acusação de que se tornou um “coco” – “marrom por fora, branco por dentro” – quando abandonou a religião de seus pais.

Shaha explica que é contra todas as formas de racismo, incluindo discriminação religiosa. Como poderia ser de outra forma, dado seu testemunho de ataques a paquistaneses no sul de Londres nos anos 1980? Mas ele acrescenta que foi levado a escrever porque “as pessoas às vezes injustamente associam” críticas à ideologia do islã com racismo. “Como um crente na justiça e nos direitos humanos, eu vejo isso como abominável.” Diz muito sobre a Grã-Bretanha que ele precise soletrar isso.

Shaha atualmente ensina física em uma escola londrina. Se o estilo é um guia para o homem, ele é gentil e persuasivo – o tipo de professor que você adoraria ter tido. Ele não poderia ser mais diferente de Maajid Nawaz, que lançou sua autobiografia Radical na semana passada.

Nawaz também sofreu com violência racial – em Southend – e cresceu em meio ao multiculturalismo dos anos do Novo Trabalhismo. Ao invés de rejeitar as identidades sectárias patrocinadas pelo Estado, Nawaz “celebrou” sua “diferença” multicultural juntando-se ao Hizb ut-Tahrir. O grupo extremista o enviou para Lahore, para acelerar o despencamento do Paquistão em teocracia, recrutando oficiais do exército para a causa islamita. Seus superiores então o mandaram para o Egito, onde sua sorte acabou.

A polícia secreta de Mubarak o aprisionou e torturou. Enquanto se recuperava na prisão, encontrou os meios de sua fuga intelectual. Estudou história da religião e leu os clássicos da literatura inglesa. Começou a perguntar todas as questões embaraçosas. Por que a alternativa a ditadores árabes seculares deve ser ditadores árabes islamitas? Por que as guerras no Afeganistão e Iraque deviam fazer com que seus amigos silenciassem o pensamento crítico na Grã-Bretanha e denunciá-lo como heresia e blasfêmia?

Com a ajuda da Anistia Internacional, Nawaz saiu da prisão. Perdeu esposa e amigos devido à sua conversão a uma versão liberal do islã. Determinado, seguiu em frente e chocou ainda mais seus antigos associados ao afiliar-se à Quilliam Foundation de Londres. Essa think tank defende liberdade religiosa, inclusive as liberdades de religiosos reacionários. Ela se opõe a todas as tentativas estatais de impor religião por decretos. Por defender esse modesto programa, Nawaz foi denunciado por esquerdistas como um “neocon”, ao mesmo tempo em que seus ex-parceiros nos cultos islamitas lhe enviavam ameaças de morte.

Nesse clima ameaçador, ele e Shaha tiveram sorte de encontrar editoras. A Londres literária, e as casas editoriais da Europa e América do Norte, ainda estão em ressaca pós-Rushdie, que o assassinato de Theo van Gogh e os atentados contra as vidas de cartunistas dinamarqueses não fizeram nada para melhorar. Um editor disse a Shaha que seus aterrorizados colegas de empresa não o deixariam trabalhar com o livro.

Reconfortantemente, editores rivais tiveram a coragem de imprimir as duas autobiografias, e eu posso ver por quê. Shaha escreveu uma sóbria e devastadora condenação da repressão sexual religiosa. Ele examina questões como casamento forçado e mutilação genital, e dá a devida atenção à opressão da mulher no islã. “O pênis dos Eleitos nunca amolecem”, ele diz, citando a descrição, por um comentarista corânico do século 15, de um paraíso misógino. “A ereção é eterna; a sensação que você tem cada vez que faz amor é completamente deliciosa e fora desse mundo. Cada escolhido casará com 70 virgens, além das mulheres com quem casou na terra, e todas terão vaginas apetitosas.”

Naturalmente, Shaha é igualmente crítico das proibições católicas à contracepção numa África assolada pela Aids e dos assaltos judaicos a mulheres “imodestas” em Israel. Ele entende que cristianismo e judaísmo não são “melhores” que o islã. Apenas, o Iluminismo fez um melhor trabalho em rebaixar seus preconceitos. Como mostra o comportamento dos nossos supostamente moderados bispos anglicanos, eles teriam ainda potencial para descer mais.

Nawaz, por sua vez, escreveu um relato redentor de como a violência o seduziu e depois o repeliu. Ele conclui descrevendo uma cultura ocidental que se tornou amarga. O comentarista de direita Glenn Beck o atacou por ter apoiado organizações supostamente perigosas que punham ativistas digitais do ocidente em contato com revolucionários na Praça Tahrir. Enquanto isso, o que ele apropriadamente chama de “esquerda regressista” o acusou de ser um “orientalista”, por não aceitar a ideia de que crimes ocidentais eram a causa profunda do extremismo religioso.

Tanto a direita preconceituosa e a esquerda preconceituosa querem manter minorias étnicas em suas caixas, seladas e rotuladas. Elas devem ser ou uma ameaça, ou uma vítima. Nenhum dos campos permitirá que os membros dessas minorias sejam cidadãos livre-pensadores de uma democracia, com o direito de seguir seus próprios argumentos até onde estes possam levá-los.

 

 

Fonte: Amálgama

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