Redes e coletivos ganham força na luta contra o racismo

A semana que passou do 13 de maio externou uma situação que o movimento social vem experimentando já há algum tempo: o fortalecimento e a expansão dos coletivos e redes de ativistas que passam a ter um poder de mobilização maior que, inclusive, as organizações tradicionais. Esta nova forma de ação política já abordei em um texto publicado na revista Aracê, intitulado “Movimentos sociais e uma nova cultura política em tempos de ação direta do capital” (clique aqui para ler). A ação direta do capital e a redução da disputa da política institucional à dimensão da pequena política levou parcela considerável da juventude a constituir outros mecanismos de militância, baseado principalmente nas redes e nos fluxos de informação. É um fenômeno que não pode ser ignorado.

Por Dennis de Oliveira, do Quilombo

No dia 12 de maio, o Itau Cultural realizou um debate sobre “Arte e sociedade – a representação do negro” motivada pelos protestos disseminados, principalmente, pelas redes sociais de ativistas negras contra o uso do blackface na peça “A mulher do trem” da Companhia “Os Fofos”. Diante dos protestos, a companhia e o Itau Cultural cancelaram a estréia da peça e realizaram o debate no mesmo dia. Na mesa, uma das que lideraram os protestos, a estudante de arquitetura Stephanie Ribeiro, do Blogueiras Negras, acusada por algumas pessoas se estar praticando a censura à peça, a qual argumentou que estava lutando contra o racismo. “São anos (que o negro está) sem voz. Essa manifestação não é censura, é pautar o que ninguém pautou. A questão não é esta peça, mas a visão dos brancos sobre nós.”

Stephanie Ribeiro, do Blogueiras Negras, puxou os protestos contra o uso do blackface
Stephanie Ribeiro, do Blogueiras Negras, puxou os protestos contra o uso do blackface

O auditório do Itaú Cultural lotou a ponto de ter que ser utilizado as salas multiuso onde os presentes acompanharam por videoconferência e ainda o debate foi transmitido pela internet com uma audiência de cerca de 150 pessoas. A repercussão do debate foi grande e coberta pelos grandes meios de comunicação. O diretor da companhia teatral, também presente no debate, pediu desculpas e afirmou que a máscara não será utilizada na montagem. Pelas redes sociais, a discussão continuou fluindo, principalmente com a divulgação do vídeo do evento que, em uma semana, atingiu mais de 4.500 visualizações.

No dia seguinte, 13 de maio, coletivos e organizações de jovens negros realizaram um ato e uma passeata em Pinheiros com o lema “Cotas sim, genocídio não”, tendo como foco a luta por cotas na USP. Após a concentração no Largo Batata, os presentes se dirigiram em passeata até o campus da USP e fizeram uma ocupação simbólica na universidade, terminado a manifestação próximo ao prédio da Faculdade de Economia e Administração, local onde recentemente houve um conflito de alguns alunos e professores contra uma ação do coletivo de estudantes negros da universidade. A bandeira das cotas na USP tem crescido, motivado várias ações de coletivos de estudantes negros como ocupações de aula, de colegiados, realização de debates, entre outros, que a bandeira passou a ter uma grande visibilidade nas pautas de reivindicações nos movimentos estudantil e sindical da universidade.

Manifestantes de coletivos fazem passeata em Pinheiros por cotas na USP
Manifestantes de coletivos fazem passeata em Pinheiros por cotas na USP

O resultado desta ação dos coletivos e redes é que a discussão do combate ao racismo está espraiando por vários espaços (exemplo do Itaú Cultural em que o debate ocorreu com um pessoas da área de produção teatral) até então refratários a esta temática. No dia 15 de maio, participei de duas discussões sobre o racismo, uma em uma mesa específica do Congresso dos Metalúrgicos do ABC – que também teve uma mesa sobre juventude com a participação de ativistas da juventude negra, Marcelo Cavanha (do Coletivo Quilombação) e Claudinho (da Secretaria de Juventude da Prefeitura Municipal de São Paulo) e outra mais a noite na Universidade São Judas Tadeu, no curso de Direito, junto com a professora Alessandra Benedito. No encontro da juventude do Coletivo Quilombação realizado no sábado a tarde, a presença de vários ativistas de coletivos e grupos culturais (como saraus de periferia, grupos de estudantes e jovens, entre outros) também foi marcante.

Há muito ainda que se discutir sobre estas formas de ação política, o artigo que publiquei na revista Aracê dá algumas pistas, em especial a característica dos “arranjos táticos pontuais” e os “arranjos produtivos locais” que apontam para perspectivas políticas e organizativas próprias. De qualquer forma, tais formas organizativas já demonstraram e demonstram a sua força, o que já é o suficiente para que não sejam ignorados.

 

Leia Também:

Chibatando seu racismo

Em boca fechada não entra racismo: 13 expressões racistas que devem sair do seu vocabulário

O feminismo Frozen e a sororidade seletiva

+ sobre o tema

Estudante cria emojis para ressaltar riqueza da África e acabar com estereótipos

O artista O’Plerou Denis Grebet, da Costa do Marfim,...

Prêmio da ONU financiará projetos interculturais; prazo é dia 30 de setembro

Prêmio de Inovação Intercultural, promovido pela Aliança de Civilizações...

Cabeleira afro volta à moda na Copa após sucesso nas décadas de 60 e 70

Estrelas brasileiras, de seleções africanas e até da Bélgica...

Oficina ensina maracatu e afoxé para iniciantes em Manaus

Aulas serão realizadas entre os dias 21 e 24...

para lembrar

Para discutir preconceito

Evento que ressalta a cultura negra é realizado...

Espaços culturais baianos recebem Mostra Cinema e Direitos Humanos

As exibições acontecem entre 21 de janeiro até 24...

Negra, crespa e empoderada: Sabrina de Paiva é eleita Miss São Paulo 2016

Em tempos de discussões sobre a falta de representatividade...
spot_imgspot_img

OAB SP realiza 1ª Semana de Memória e Resistência Negra

A OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo) promove, pela primeira vez, a Semana de Memória e Resistência Negra da Ordem...

Festival Grito Cultural 2025: Justiça Climática Antirracista e Desenvolvimento Sustentável

De 20 a 26 de maio, Hortolândia – em frente ao Instituto Doné Eleonora, localizado na Rua João Alves, 288 – será o palco...

Julia Coutinho, brasileira de 15 anos medalha de ouro na Copa do Mundo da ginástica artística, é ‘legado de 2016’; conheça

O domingo foi um grande dia para a ginástica artística brasileira. A atleta Julia Coutinho levou medalha de ouro no feminino do solo na...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.