“Jé Oliveira e sua Cia apresenta no Centro Cultural São Paulo a reedição de Gota D’Agua de Chico Buarque e Paulo Pontes, com elenco predominantemente negro”

Foto: Evandro Macedo

Em Gota D’Água {PRETA}, nova versão do texto de 1975, o premiado ator, diretor, dramaturgo

e fundador do Coletivo Negro, realça a realidade negra, a discussão social e de classes

e o protagonismo da mulher preta. A cantora e atriz Juçara Marçal, do Metá Metá, interpreta Joana

e o próprio Jé faz o papel de Jasão, personagens principais da peça

Por Elcio Silva para o Portal Geledés 

A trama traz para a cena paulistana a realidade negra que perpassa a obra, mas pela primeira vez tem um elenco predominantemente negro. Nesta montagem, o artista mostra sua versatilidade ao transitar entre o Rap e a MPB. Em seu último trabalho, homenageou os Racionais MC’s com a peça-show Farinha com Açúcar que rodou o país por três anos.

Inspirado na tragédia Medeia, de Eurípedes, Gota D’Água {PRETA} tem como personagem principal Joana, mulher madura, sofrida, moradora de um conjunto habitacional. Jasão, seu ex-marido, é um jovem vigoroso, sambista que desponta para o sucesso com a composição da canção que dá nome à peça. Agora ele é noivo de Alma, filha de Creonte, corruptor por excelência e detentor do poder econômico e das casas da Vila do Meio-dia, local onde antes morou com Joana e os filhos. Se em Medeia havia reis e feiticeiros, na tragédia brasileira tem pobres e macumbeiros, além de um coro negro, em alusão ao grego.

Foto: Evandro Macedo

De modo inédito na história do teatro brasileiro Joana, interpretada pela cantora e atriz Juçara Marçal (Metá Metá), e Jasão, vivido por Jé Oliveira, são negros. A escolha político-estética do diretor traz a força da musicalidade ancestral e a influência das religiões de matriz africana. “É como se estivéssemos realizando a coerência que a peça sempre pediu e até hoje não havia sido realizada”, observa Jé Oliveira. “A personagem é pobre e é da Umbanda. Tudo leva a crer, pelo contexto histórico, social e racial do país, que essa personagem é preta. Estamos realizando o que a peça insinua. Estamos de fato enegrecendo a obra de Chico Buarque e concretizando o que ele propõe.”

A montagem não busca apenas uma reparação histórica para diminuir um hiato sobre a presença negra em papéis relevantes na dramaturgia nacional, mas sobretudo, propõe uma atualização, com base na coerência, ainda não realizada por nenhuma montagem, do clássico drama brasiliano. “Estamos discutindo traição de classe e de raça”, diz Jé citando a metáfora da traição conjugal. “Ele troca Joana por uma mulher mais nova, então discutimos também o feminismo. Jasão também é preto e com ele debatemos a ascensão social e a legitimidade ética disso.”

Para Juçara, Joana representa a mulher oprimida desde a formação do Brasil. O grito oprimido desta camada da sociedade. As relações humanas servem de pretexto para questionar essas posições sociais, como se cada um de representasse um lugar, um grupo. “Ela é a mulher que foi violentada, agredida. A pessoa sem voz que quer se vingar e não sabe como”, explica a atriz. “Quando Jé resolveu montar Gota D’Água mais preta, a proposta foi trazer o universo da periferia para a cena”, aponta o músico Fernando Alabê.

Foto: Evandro Macedo

A comunidade negra traz naturalmente consigo as religiões de matriz africana. Assim, o sagrado também está presente nos elementos musicais. Tem canto de candomblé, de umbanda e o jongo – dança de roda de origem africana com acompanhamento de tambores – serve de base. “Tentamos trazer para a peça a maneira que o negro entende sua divindade”, realça Juçara.

O diretor musical William Guedes propôs uma instrumentação de saxofone somada a DJ, percussão, guitarra, violão e cavaco. “Com isso, temos uma estrutura musical que desfolcloriza a musicalidade de periferia, a musicalidade negra, que é o cerne desta peça”, observa Alabê.

Além de Jé Oliveira e Juçara Marçal a montagem leva à cena a atriz, diretora e dançarina Aysha Nascimento, do Coletivo Negro, a atriz e MC Dani Nega, o ator, diretor e artista-educador Ícaro Rodrigues, a atriz e bailarina Marina Estevez, o ator Matheus Sousa, o ator e diretor Rodrigo Mercadante, da Cia. do Tijolo, e o ator, dramaturgo e professor Salloma Salomão.

A direção musical é de William Guedes, da Cia. do Tijolo, e a música é executada ao vivo por DJ Tano, do Záfrica Brasil, nas pick-ups, Fernando Alabê na percussão, Suka Figueiredo no saxofone, Gabriel Longuitano na guitarra, violão, cavaco e voz e Salloma Salomão na flauta transversal. O cenário é assinado por Julio Dojczar, da casadalapa, e a luz é um projeto do light designer Camilo Bonfanti. O design de som é de Eder Bobb e Felipe Malta. Eder Lopes assina os figurinos e a assistência de direção, e Janaína Grasso, a produção.

Foto: Evandro Macedo

SERVIÇO

Gota D’Água {PRETA}
Jona é uma mulher madura, sofrida, moradora de um conjunto habitacional, preste a ser despejada junto com os dois filhos.
Jasão é um jovem, vigoroso, sambista e famoso. Por meio da metáfora de uma traição conjugal a obra busca refletir e realçar a discussão racial, social e de classes com base no atual momento político do país e debruça-se, sobretudo, acerca do golpe desferido pro Creonte e Jasão conta a Joana – Povo.

Texto e Dramaturgia | Chico Buarque e Paulo Pontes.
Direção Geral, concepção e idealização | Jé Oliveira
Elenco | Aysha Nascimento, Dani Nega, Ícaro Rodrigues, Jé Oliveira, Juçara Marçal, Marina Esteves, Mateus Sousa, Rodrigo Mercadante e Salloma Salomão
Banda | DJ Tano (pickups e bases ), Fernando Alabê (percussão), Gabriel Longuitano (guitarra, violão, cavaco e voz), Jé Oliveira (cavaco), Salloma Salomão (flauta transversal) e Suka Figueiredo (sax).

Assistência de Direção e Figurino | Éder Lopes
Direção Musical | Jé Oliveira e William Guedes
Preparação Vocal | William Guedes
Concepção Musical e Seleção de Citações | Jé Oliveira
Cenário | Julio Dojcsar
Artista Gráfico | Murilo Taveira
Light Design e Operação de Luz | Camilo Bonfanti
Técnico de Som e Operação | Eder Eduardo
Assessoria de Imprensa | Elcio Silva
Coordenação de estudos teóricos | Juçara Marçal, Jé Oliveira, Salloma Salomão e Walter Garcia
Produção Executiva | Janaína Grasso
Produção Geral | Jé Oliveira
Fotos | Evandro Macedo
Vídeo e Edição | Marília Lino
Realização | Itaú Cultural
Produção | Gira pro Sol Produções

Quando | De 8 a 24 de março, sexta e sábado 20h e domingos 19h
Onde | Centro Cultural São Paulo – Sala Jardel Filho
Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso – São Paulo – SP
Capacidade | 321 Lugares.
Classificação | 14 anos
Duração | 190 min
Ingressos | R$ 30 inteira e R$ 15 meia-entrada. Vendas na bilheteria do local e pelo site do ingresso rápido.
Bilheteria | De terça a sábado, das 13H às 21H30. Domingos, das 13H às 20H30
Informações 3397-4002


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

+ sobre o tema

CyberQuilombo: curso on-line forma oficineiros em Africanidades

O CyberQuilombo, um projeto do labExperimental – está com...

Nos embalos da novela das seis: conheça os hits disco de “Boogie Oogie”

Ambientada em 1978, no auge das discotecas no Brasil,...

As novas caras da moda Brasileira

Jordana Rosa e a nossa capa, a modelo Gabriela...

Paula Brito

por: Mauro Rosso Francisco de Paula Brito, "o primeiro editor...

para lembrar

Mart’nália lança 12º CD, totalmente dedicado à obra de Vinicius de Moraes

Ela é uma intérprete sensível de Vinicius e dos...

De Duque de Caxias para a Sorbonne, estudante negro diz como ‘virou o jogo

O caminho percorrido pelo estudante Elian Almeida entre Duque...

Projeto Rappers – Memória Institucional de Geledés

Desenvolvemos de 1992 a 1998 um projeto específico para...

Moda e ativismo: artistas baianas gravam documentário em Nova Iorque

Artistas baianas gravam documentário em Nova Iorque A estilista baiana...
spot_imgspot_img

Clara Moneke: ‘Enquanto mulher negra, a gente está o tempo todo querendo se provar’

Há um ano, Clara Moneke ainda estava se acostumando a ser reconhecida nas ruas, após sua estreia em novelas como a espevitada Kate de "Vai na...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde mundial feminino da maratona ao vencer a prova em Londres com o tempo de 2h16m16s....

Podcast brasileiro apresenta rap da capital da Guiné Equatorial, local que enfrenta 45 anos de ditadura

Imagina fazer rap de crítica social em uma ditadura, em que o mesmo presidente governa há 45 anos? Esse mesmo presidente censura e repreende...
-+=